domingo, 25 de março de 2012

Guerra contra as drogas é o motor da militarização da polícia

O artigo que segue foi publicado originalmente no jornal Juízes para a Democracia (versão on line disponível no site da AJD) pela juíza aposentada Maria Lúcia Karam, uma das mais lúcidas militantes contra o expansionismo penal e a criminalização dos entorpecentes.
No artigo, Karam critica veementemente a militarização da atividade policial, por intermédio das PMs, e mais ainda o efetivo emprego das Forças Armadas na segurança pública. Repudiando este paradigma bélico, pois policial deve ser agente da paz, aponta para uma importante correlação entre a militarização e a repressão ao tráfico de entorpecentes que a contamina:
“A ‘guerra às drogas’, motor da militarização das atividades policiais, não
se dirige efetivamente contra as drogas. Como qualquer guerra, não é uma guerra contra coisas. Como qualquer guerra, é uma guerra contra pessoas... Os “inimigos” nessa guerra são os pobres, não-brancos, marginalizados, desprovidos de poder”.

A necessária e urgente desmilitarização das atividades policiais
O policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, funções atribuídas às polícias militares estaduais na regra do § 5º do artigo 144 da Constituição Federal brasileira, são atividades típicas de polícia, que não se coadunam com a organização militarizada imposta pela distorcida previsão (no § 6º do mesmo artigo) de tais polícias como forças auxiliares e reserva do Exército.
A estruturação das polícias estaduais em organizações diferenciadas ainda cria desuniões e competições, acabando por afetar negativamente a própria efetivação da segurança pública. Emenda constitucional que promova a reestruturação das polícias militares e sua unificação com as polícias civis decerto se faz necessária e urgente.
A desmilitarização das atividades policiais não pode se limitar, porém, a essa indispensável reestruturação e unificação das polícias estaduais. A necessária e urgente desmilitarização requer uma nova concepção das ideias de segurança e atuação policial, que, afastando o paradigma bélico, resgate a ideia do policial como agente da paz, cujas tarefas primordiais sejam a de proteger e prestar serviços aos cidadãos.
A prevalência dessa nova concepção não depende apenas de transformações internas nas polícias e na formação dos policiais. Há de ser, antes de tudo, adotada pela própria sociedade e exigida dos governantes.
No entanto, mais grave do que a existência de uma polícia militarizada no Brasil é a atuação das próprias Forças Armadas que, em claro desvio das funções que a Constituição Federal A necessária e urgente desmilitarização das atividades policiais lhes atribui, vêm sendo utilizadas em atividades policiais. O cenário do tão incensado novo modelo de policiamento iniciado no Rio de Janeiro – as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – inclui tanques de guerra e militares com fuzis e metralhadoras, seja na ocupação inicial, como na Rocinha e no Vidigal, seja, como no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, em que essa presença vai se tornando permanente, o Exército estando ali estacionado desde novembro de 2010.
Sob o pretexto de “libertar” as favelas dos “traficantes” de drogas, esse novo modelo de policiamento consiste na ocupação militarizada dessas comunidades pobres, como se fossem territórios “inimigos” conquistados ou a serem conquistados. No momento inicial da ocupação, chega-se até mesmo a hastear a bandeira nacional, em claro símbolo de “conquista” do território “inimigo”. A ocupação fortalece o estigma e a ideia do gueto. A ocupação sujeita as pessoas que vivem nas favelas a uma permanente vigilância e monitoramento, com frequentes revistas pessoais até mesmo de crianças por agentes fortemente armados, com revistas domiciliares sem mandado (ou com algum vazio e igualmente ilegítimo mandado genérico).
A ocupação funciona como uma espécie de “educação” para a submissão. Sabendo-se e sentindo-se permanentemente vigiado, o indivíduo acaba por se adestrar para a obediência e a submissão à ordem vigente. O indivíduo permanentemente vigiado acaba por reprimir suas opiniões, por mudar seus hábitos, por ter medo de ser diferente, de questionar, acaba por se conformar aos padrões dominantes, acaba por aderir à submissão. Aliás, nos “guetos” denominados favelas, sob ocupação, qualquer manifestação de inconformismo de moradores, quaisquer denúncias de abusos acabam por ser esqualificados, sob a fácil alegação de que os autores dos questionamentos estariam ligados aos “traficantes”.
A proibição das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas é o motor principal da militarização das atividades policiais. O paradigma bélico, explicitamente retratado na expressão “guerra às drogas”, faz do “criminoso” o “inimigo”. Em uma guerra, quem deve “combater” o “inimigo”, deve eliminá-lo. Os policiais brasileiros são, assim, formal ou informalmente autorizados e mesmo estimulados, por governantes e por grande parte da sociedade, a praticar a violência, a tortura, o extermínio. Basta pensar que o “cinematográfico” Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro tem como símbolo uma caveira.
A “guerra às drogas”, motor da militarização das atividades policiais, não se dirige efetivamente contra as drogas. Como qualquer guerra, não é uma guerra contra coisas. Como qualquer guerra, é uma guerra contra pessoas – os produtores, comerciantes e consumidores das arbitrariamente selecionadas substâncias tornadas ilícitas. Mas, é ainda mais propriamente uma guerra contra os mais vulneráveis dentre esses produtores, comerciantes e consumidores. Os “inimigos” nessa guerra são os pobres, não-brancos, marginalizados, desprovidos de poder, como os vendedores de drogas do varejo das favelas, demonizados como “traficantes”, ou aqueles que a eles se assemelham, pela cor da pele, pelo local de moradia, pelas mesmas condições de pobreza e marginalização.
Os homicídios, travestidos em “autos de resistência”, praticados por policiais em operações nas favelas no Rio de Janeiro – em média, 20% do total de homicídios no estado – não deixam dúvida sobre quem são os “inimigos” nessa guerra.
Passo primordial e urgente para uma efetiva desmilitarização da atividade policial, para afastar o paradigma bélico da atuação do sistema penal, é, pois, a necessária e urgente mobilização para pôr fim à “guerra às drogas” e substituir a proibição por um sistema de legalização e conseqüente regulação da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas.
Maria Lucia Karam, membro da AJD, é Juíza de direito aposentada no RJ, membro da direção da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP)
 
Extraído do Blog Contexto Livre

quinta-feira, 22 de março de 2012

Há um crucifixo no meio do caminho da nossa república


Territórios livres

Imagine que você é o Galileu e está sendo processado pela Santa Inquisição por defender a ideia herética de que é a Terra que gira em torno do Sol e não o contrário. Ao mesmo tempo, você está tendo problemas de família, filhos ilegítimos que infernizam a sua vida, e dívidas, que acabam levando você a outro tribunal, ao qual você comparece até com uma certa alegria. No tribunal civil, será você contra credores ou filhos ingratos, não você contra a Igreja e seus dogmas pétreos. Você receberá uma multa ou uma reprimenda, ou talvez, com um bom advogado, até consiga derrotar seus acusadores, o que é impensável quando quem acusa é a Igreja. Se tiver que ser preso, será por pouco tempo, e a ameaça de ir para a fogueira nem será cogitada. No tribunal laico, pelo menos por um tempo, você estará livre do poder da Igreja. É com esta sensação de alívio, de estar num espaço neutro onde sua defesa será ouvida e talvez até prevaleça, que você entra no tribunal. E então você vê um enorme crucifixo na parede atrás do juiz. Não adianta, suspiraria você, desanimado, se fosse Galileu.


O poder dela está por toda a parte. Por onde você andar, estará no território da Igreja. Por onde seu pensamento andar, estará sob escrutínio da Igreja. Não há espaços neutros.Um crucifixo na parede não é um objeto de decoração, é uma declaração. Na parede de espaços públicos de um país em que a separação de Igreja e Estado está explícita na Constituição, é uma desobediência, mitigada pelo hábito. Na parede dos espaços jurídicos deste país, onde a neutralidade, mesmo que não exista, deve ao menos ser presumida, é um contrassenso – como seria qualquer outro símbolo religioso pendurado.

É inimaginável que um Galileu moderno se sinta acuado pela simples visão do símbolo cristão na parede atrás do juiz, mesmo porque a Igreja demorou mas aceitou a teoria heliocêntrica de Copérnico e ninguém mais é queimado por heresia. Mas a questão não é esta, a questão é o nosso hipotético e escaldado Galileu poder encontrar, de preferência no Poder Judiciário, um território livre de qualquer religião, ou lembrança de religião.Fala-se que a discussão sobre crucifixos em lugares públicos ameaça a liberdade de religião. É o contrário, o que no fundo se discute é como ser religioso sem impor sua religião aos outros, ou como preservar a liberdade de quem não acredita na prepotência religiosa. Com o crescimento político das igrejas neopentecostais, esta preocupação com a capacidade de discordar de valores atrasados impostos pelos religiosos a toda a sociedade, como nas questões do aborto e dos preservativos, tornou-se primordial. A retirada dos crucifixos das paredes também é uma declaração. No caso, de liberdade.


Artigo de Luis Fernando Veríssimo, publicado hoje no jornal O Globo.

Fotografias de cima a baixo: 1) gabinete do presidente da República, no tempo de Lula; 2) plenário da Câmara dos Deputados; 3) Presidenta Dilma, vice Temer, e presidente do Senado, José Sarney, no plenário da Câmara; 4) Plenário do STF, órgão máximo do Poder Judiciário, em Brasília.


Texto extraído do blog Diário Gauche, do sociólogo Cristóvão Feil.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Ditadores e torturadores não podem ser nomes de ruas

Por Gilberto Maringoni*

Uma Comissão da Verdade de verdade poderia começar seus trabalhos propondo ao Congresso Nacional uma lei simples: proibir em todo o território nacional que logradouros públicos sejam batizados com nomes de pessoas que enxovalharam a democracia e os bons costumes. E alterar as denominações existentes.

Em São Paulo, a situação é vergonhosa. A principal rodovia do estado chama-se Castello Branco. De tão naturalizada está a questão, que poucos param para pensar no seguinte: aquele foi o chefe da conspiração que acabou com a democracia no Brasil, em 1964. A homenagem foi feita por Roberto de Abreu Sodré, governador biônico, que inaugurou a via em 1967. Estávamos em plena ditadura e seria natural que um serviçal do regime quisesse adular seus superiores.

A via não representa uma exceção. A cidade comporta ainda o elevado (?) Costa e Silva, em homenagem ao segundo governante da ditadura. O idealizador foi outro funcionário do regime, Paulo Salim Maluf, nos idos de 1969. O mesmo Maluf mimoseou, em 1982, quando governador, o famigerado Caveirinha, alcunha que imortalizou o general Milton Tavares de Souza, falecido no ano anterior. Caveirinha foi chefe do Centro de Informação do Exército (CIE) e suas grandes obras foram a implantação dos DOI-CODI e da Operação Bandeirantes (Oban), órgãos responsáveis pelo assassinato de inúmeros oponentes do regime. Foi também um dos planejadores da repressão à guerrilha do Araguaia (1972-76).

Ernesto Geisel, ditador entre 1974 e 1979, é o nome de um conjunto habitacional em Bauru. Emilio Garrastazu Médici, o comandante da fase mais repressiva da ditadura, nomeia dezenas de ruas, escolas e praças pelo Brasil. Presidente Figueiredo é uma cidade no Amazonas. Diadema abriga uma Escola Estadual Filinto Muller, temido chefe da Polícia Política do Rio de Janeiro entre 1933 e 1942. Imortalizou-se por ter comandado a operação que resultou na deportação de Olga Benario à Alemanha, em 1936.

Mas nada supera a inacreditável rua Dr. Sergio Fleury, na Vila Leopoldina, na capital.

Os nomes dos funcionários mais ou menos graduados da ditadura podem ser localizados com uma rápida olhada no Google. Castello, Costa e Silva, Médici e Figueiredo emprestam seus nomes a centenas de ruas, avenidas, estradas, escolas e edifícios públicos espalhados pelo Brasil.

Propostas de mudança
Em 2006, o então prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) enviou mensagem à Câmara dos Vereadores de São Paulo, propondo alteração do nome do viaduto que enaltece Caveirinha. Aprovado em primeira instância, o projeto aguarda até hoje sanção de Gilberto Kassab.

O vereador Pedro Ruas e a vereadora Fernanda Melchiona, do PSOL de Porto Alegre, apresentaram em dezembro último um projeto de lei visando mudar o nome da Avenida Presidente Castello Branco para Avenida da Legalidade. A intenção é não apenas banir a memória do líder golpista, mas homenagear o movimento liderado por Leonel Brizola, em 1961, que deteve as articulações visando impedir a posse do presidente João Goulart, após a renúncia de Janio Quadros.

Manter tais denominações significa conservar viva a memória de gente que deve ser colocada em seu justo lugar na História: o daqueles que perpetraram crimes contra a democracia e a cidadania, prejudicaram o país e contribuíram para o atraso em vários campos de atividade.

Na Itália não existe rua, monumento ou edifício público com o nome de Benito Mussolini ou de outro funcionário graduado do regime fascista. A decisão faz parte de uma luta ideológica que visa extirpar as marcas da intolerância, da brutalidade e da xenofobia que marcaram a vida do país entre 1924 e 1944.

Tampouco há na Alemanha uma avenida Adolf Hitler, um aeroporto Herman Göering (que foi ás da aviação na I Guerra Mundial), um viaduto Joseph Goebbels ou coisas que o valham. Aliás, evitou-se durante décadas batizar crianças com o nome Adolf, por motivos mais ou menos óbvios.

Argentina, Chile e Uruguai também não fazem rapapés à memória de responsáveis pelos anos de terror institucionalizado. A cidade de Puerto Stroessner, no Paraguai, teve seu nome mudado para Ciudad Del Este, assim que o ditador foi deposto, em 1989.

No Brasil, como os zumbis da ditadura não apenas assombram, mas aparentemente intimidam o poder democrático, as mudanças não acontecem. Estão aí, fagueiros e lampeiros na vida nacional, figuras como José Sarney, Marco Maciel, Paulo Maluf e outras, crias da ditadura e cheios de autoridade na vida pública. E os pijamas do Clube Militar volta e meia fazem ordem unida para enaltecer os anos de chumbo.

Banir os nomes de gente dessa laia dos logradouros públicos é um bom passo para se consolidar a democracia.

*Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo). - Fonte deste post: sítio da Agência Carta Maior.

Nota do blogueiro: Concordo com a tese proposta no texto, que fora extraído do Blog do Júlio Garcia, embora não concorde com a possibilidade de "extirpação da memória", especialmente de fatos e eventos que nunca poderiam ser esquecidos.
Claro que não podemos render homenagens à ditadores e seus torturadores, estupradores e assassinos, mas, como ninguém aceitaria alterar o nome de uma rua de Presidente Castelo Branco para Ditador Castelo Branco...

terça-feira, 13 de março de 2012

A crítica necessária.

Partido dos Trabalhadores: o partido que ajudei a fundar*
por Olívio Dutra

O ex-governador e presidente de Honra do PT gaúcho faz uma análise profunda dos caminhos tomados pelo Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação que teve como impulso a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, até a chegada de Dilma Rousseff a presidência da República.
Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido.
Um balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial dos trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer mas de alterar a estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados no enorme poder político, econômico, cultural de uma minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem explorados e sem exploradores e radicalmente democrática.
Antes do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o primeiro partido de esquerda do Brasil republicano. O movimento operário anarquista das primeiras décadas do século xx era avesso à idéia de um partido. O PC surge em 1922. O PT aparece numa conjuntura de enorme agitação política reprimida por uma ditadura militar, fruto do golpe de 1964 que recompôs as elites contra um populismo que já não controlava mais as lutas sociais.
Este populismo, iniciado por Vargas e que inspira Jango e Brizola, era dirigido por gente ligada ao latifúndio “esclarecido”, um pouco na tradição dos republicanos gaúchos- Julio de Castilhos, Borges de Medeiros – que compartilhavam a idéia de que política não é para qualquer um, que o povo precisa de alguém que o cuide.
O PT nasceu com a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, o que marcou os seus primeiros passos. Mas, à medida em que conquistou mandatos em vários níveis, a coisa foi ficando“osca”, suas convicções e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma acomodação na ocupação das máquinas institucionais (inclusive no Judiciário).
Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para serem democráticos, precisam ser radicalmente transformados.
Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais diretórios municipais, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de o partido estar no governo federal e em governos estaduais, municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares nos três níveis de representação.
E, bem mais que as idéias ou mesmo o programa, o que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos responsáveis por isso: a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com negócios, esperteza,e a idéia de tirar proveito pessoal dos cargos públicos conquistados. E tem gente chegando no partido para isso, favorecidos pelo discurso da governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo político.
Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país,o Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1º mandato foi de grande pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de composição, uma direção, ainda que com limites, transformadora da política. A política de partilhar espaços do Estado com aliados políticos de primeira e última hora de certa forma já vinha de experiências de governos municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quinta essência. No 2º mandato, ao invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina pública.
Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua fundadora.
O PDT estava no governo da Frente Popular(PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no RS. Veio conosco no 2º turno. No 1º turno sua candidata tinha sido a ex-senadora Emilia Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com nosso governo nunca foi tranqüila. Tive de contornar demandas descabidas para criar secretarias para abrigar pessoas de sua indicação. Lembro o quanto lutamos pela anistia e volta dos exilados ainda durante a ditadura. Ocorre que em 1979, quando Brizola voltava do exílio, nós, os bancários de Porto Alegre – eu era presidente do sindicato da categoria – estávamos em greve. Caiu a repressão sobre nós com intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve acabasse. Veio até Carazinho, mas como a greve, apesar da repressão, não terminara, voltou para São Borja. A categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse uma declaração contra a repressão ao movimento. Não se manifestou.
Quando do governo da Frente Popular, em decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas à Prefeitura de POA(nosso candidato, eleito, foi o Tarso Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão para que trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o governo. Não concordamos. Eles foram mantidos nos cargos e com plena liberdade para se decidirem sobre sua vinculação partidária. Todos eles travaram uma discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram desfiliarem-se e, posteriormente, após nova discussão interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao nosso partido. A Dilma, à época em que reabrimos a negociação sobre os subsídios, favores tributários e renúncia fiscal para a Ford, estava ainda no PDT e, como Secretária de Minas e Energia do nosso governo, participou da construção da decisão que, séria, responsável e republicanamente tomamos. Sua postura determinada nessas e em outras circunstâncias teem o nosso reconhecimento, respeito e admiração.
Ela tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a composição do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as estruturas arcaicas e injustas do Estado brasileiro, coisa que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às lutas sociais da s últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!
Então aí está o papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas, criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e não objeto da política?
Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como e quem exerce o poder na sociedade e no estado brasileiros, os impostos regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água, aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel do estado numa questão estratégica como essa.
O PT não se esgotou no seu projeto estratégico,mas corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear a discussão de questões estruturais do estado e da sociedade brasileira da disputa imediata por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas internamente mas com o povo brasileiro.
Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir como um o partido com nossa origem e compromisso pode governar transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo político.
A lógica predominante, diante das eleições do ano que vem, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta pela indústria automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço para o automóvel particular? Onde as multinacionais se instalam com as maiores vantagens do mundo e as cidades viram garagens para carros, onde túneis, viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em menos de 10 anos, tecem teias de concreto que mais aprisionam do que libertam o ser humano?
O PT deve refletir sobre suas experiências de governar as cidades . São muitas e nenhuma definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo,mas sobre a renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua emulação e correta distribuição social, cultural, espacial, econômica e política. O Orçamento Participativo tem que ser pensado não como uma justificativa para a distribuição compartilhada de poucos recursos mas como gerador de cidadania capaz de, num processo de radicalidade democrática crescente, encontrar formas de erradicar o contraste miséria/riqueza do panorama de nossas cidades.
A crise econômica mundial está longe de ser debelada e os países ricos teem enorme capacidade de “socializar” o pagamento dela com os países pobres. No chamado Estado de Direito Democrático o ato de governar é resultado de uma ação articulada e interdependente entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que na sociedade capitalista o Poder Econômico, que não está definido na Constituição, é tão poderoso e influente quanto todos aqueles juntos. Portanto, a confusão entre governo e esse poder “invisível” privatiza o Estado e é caldo de cultura para a corrupção.
Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, fazendo roteiros, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado positivamente com esta tarefa.
Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos que vem conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja pressão debaixo para cima sobre as direções , correntes, cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer “inchando”, acomodando interesses. A inquietação na base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido da transformação e não da acomodação vale a pena.

Extraído do site do PT do Rio Grande do Sul.
Nota do blogueiro: Não se trata da crítica dos barões, dos lamentos de uma direita saudosa pelo espaço, que quase não ocupa no Governo Federal, ou mesmo, em estados e municípios que, até pouco tempo, tinha como seu curral, em disputas de seis contra meia dúzia, que benefício algum criavam, exceto para si e os seus.
Trata-se de uma voz respeitada pela esquerda em todo o país. De um militante histórico, que provou ser possível governar à esquerda, contra toda a sorte de armações e golpes midiáticos e de instituições tomadas e ocupadas por essa mesma direita, desde a colonização. De um dos quadros mais conscientes do PT. Do ex-governador Olívio Dutra.'
Já passou da hora de o PT rediscutir seus métodos, suas alianças, seu posicionamento como condutor do capitalismo no Brasil, e o papel de partido de massas, representante dos movimentos sociais, e, como seu próprio nome diz, dos trabalhadores, e não, simplesmente, conquistar espaços governamentais, assentar companheiros e aliados de ocasião, fazendo-se mais um partido de eleições, com pouca ação transformadora efetiva, distanciado da ideologia e dos projetos que o criaram.

domingo, 11 de março de 2012

Por que Estado laico interessa mais aos cristãos do que aos ateus

Título original: Cristo despejado

por Hélio Schwartsman, da Folha
O assunto é menor, mas tem elevado valor simbólico. Nesta semana, a Justiça gaúcha determinou a retirada dos crucifixos de todas as suas dependências. Como bom ateu, sou favorável à medida. Entendo, porém, que alguns cristãos se sintam frustrados. Vou tentar mostrar que a laicidade do Estado interessa mais a eles do que a mim.

Um dos argumentos mais populares entre os defensores da permanência da cruz é o de que a maioria da população é cristã. Bem, a maior parte dos brasileiros também é flamenguista ou corintiana. A ninguém, contudo, ocorreria ornar os tribunais com bandeiras e flâmulas desses clubes. Maiorias não bastam para definir a decoração de paredes públicas.

De resto, nem todos os cristãos são entusiastas do crucifixo. Algumas denominações protestantes o consideram um caso acabado de idolatria, pecado cuja prática meus ancestrais judeus costumavam punir com o apedrejamento até a morte.

A vontade da maior parte dos cidadãos é, por certo, um elemento importante da democracia, mas não é absoluto nem incondicional. Um país só é democrático quando defende suas minorias da tirania das massas.

E o direito de todos a espaços públicos livres de proselitismo religioso deveria ser autoevidente. Ao contrário do que muitos podem pensar, isso importa mais para o crente membro de grupo ou seita minoritários do que para ateus e agnósticos.

Nós que não acreditamos num ser superior ou que julgam essa uma questão indecidível, tendemos a considerar imagens religiosas como uma manifestação supersticiosa, uma excentricidade, no máximo. Já um judeu ou muçulmano praticantes podem ver na figura do Cristo crucificado um símbolo de opressão e morte. Não se pode dizer que não tenham razões históricas para pensar assim.

Exceto para os apreciadores de teocracias de partido único, a laicidade do Estado é a melhor garantia da liberdade religiosa.

terça-feira, 6 de março de 2012

Determinada a retirada dos crucifixos dos prédios da Justiça gaúcha

Do site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Na primeira sessão do ano do Conselho da Magistratura do TJRS, realizada nesta terça-feira (6/3), foi acatado o pedido da Liga Brasileira de Lésbicas e de outras entidades sociais sobre a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos nos espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha. A decisão foi unânime.

(imagem meramente ilustrativa)
Participaram da sessão do Conselho da Magistratura, o Presidente do TJRS, Desembargador Marcelo Bandeira Pereira; o 1º Vice-Presidente, Desembargador Guinther Spode; o 2º Vice-Presidente, Desembargador Cláudio Baldino Maciel; o 3º Vice-Presidente, André Luiz Planella Villarinho; e a Corregedora-Geral da Justiça em exercício, Liselena Schifino Robles Ribeiro.
O relator da matéria foi o Desembargador Cláudio Baldino Maciel, que afirmou em seu voto que o julgamento feito em uma sala de tribunal sob um expressivo símbolo de uma Igreja e de sua doutrina não parece a melhor forma de se mostrar o Estado-juiz equidistante dos valores em conflito.

Resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de símbolos oficiais do Estado é o único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos prédios, explicou o magistrado.


Sessão do COMAG ocorreu nesta terça-feira (6/3)(Foto: Eduardo Osorio)
A sessão foi acompanhada por representantes de religiões e de entidades sociais.
Nos próximos dias, será expedido ato determinando a retirada dos crucifixos.
Caso
Em fevereiro deste ano, a Liga Brasileira de Lésbicas protocolou na Presidência do TJRS um pedido para a retirada de crucifixos das dependências do Tribunal de Justiça e foros do interior do Estado.
O processo administrativo foi movido em recurso a decisão de dezembro do ano passado, da antiga administração do TJRS. Na época, o Judiciário não acolheu o pedido por entender que não havia postura preconceituosa.

Nota do blogueiro: Estado é estado, templo é templo. Bela iniciativa de preservação do Estado Laico do TJ-RS.
Em um cenário desfavorável às insituições civis frente ao lobby cristão no parlamento, pela aprovação de projetos discriminatórios e condenatórios, baseados em alegorias bíblicas e dogmas religiosos, essa pequena ação, localizada, soa como uma "declaração de independência", das vontades de seres invisíveis e seus representantes de contas bancárias polpudas.
"Sirvam nossas façanhas, de modelo a toda terra"...

segunda-feira, 5 de março de 2012

Flavio Koutzii: Orçamento Participativo é dívida do governo Tarso

Entrevista realizada pelos jornalistas Guilherme Kolling e Paula Coutinho, publicada hoje (5) no Jornal do Comércio:
Um dos quadros mais respeitados do PT gaúcho, Flavio Koutzii deixou o Palácio Piratini após um ano como secretário de Estado na Assessoria Superior do Governador, por razões pessoais. Fora do governo, ele elogia iniciativas do primeiro ano da gestão Tarso Genro (PT), como reajustes salariais ao funcionalismo e a busca de empréstimos para investir. Num contexto de crise internacional e cortes em países da Europa, Koutzii destaca medidas do petista para preservar direitos, nas quais ele inclui o projeto de reforma da previdência, barrado no Judiciário. Entretanto, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, observa que o governo Tarso ainda tem “uma dívida” por não ter implementado o Orçamento Participativo – adotado no governo Olívio Dutra (PT, 1999-2002) e que deu destaque às gestões petistas na prefeitura da Capital.
Jornal do Comércio – Um dos temas caros ao governador é a participação popular. Mas o Orçamento Participativo (OP) ainda não foi implementado.
Flavio Koutzii - Implantar o Orçamento Participativo ainda é uma dívida do governo do Estado, (o OP) é um processo extraordinário.
JC – Mas outros mecanismos de participação foram criados na gestão. Não substituem o OP?
Koutzii – De jeito nenhum. Cada um tem o seu valor específico, podem ser até inovadores, mas não substituem (o OP). O Gabinete Digital, por exemplo, tem uma sintonia com possibilidades de comunicação virtual, que são cada vez mais atuais e necessárias. Mas o OP tem um elemento nuclear que consiste no vínculo direto entre o cidadão e decisões sobre uma parte do orçamento do Estado, através de um sistema organizado e interativo. Para muitos, se transformou num pequeno novo degrau de cidadania. Houve algumas deformações…
JC – Houve um certo aparelhamento ao longo dos anos?
Koutzii – Que, às vezes, nem era partidário. O sujeito virava “o cara do OP”. Acho difícil até haver atividade humana em que isso não aconteça. Mas (o OP) tem uma vitalidade fundamental. E cheguei a ler que há uma orientação explícita do governador para acelerar (sua implementação).
JC – O governador diz que um dos eixos do governo é tornar o Estado referência internacional em participação. Sem o OP isso é possível?
Koutzii – Acho que não.
JC – E de uma maneira geral, como avalia o governo Tarso e a conjuntura política do Estado?
Koutzii - A primeira coisa que chama atenção é a situação mundial. Nos anos 1990, houve a materialização das divergências entre o campo popular nucleado pelo PT e a nova onda neoliberal que elegeu seus presidentes – Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, já tivemos a gigantesca crise de 2008 e estamos desde o ano passado vivendo uma espécie de degradação profunda de grande parte dos países europeus. A Grécia está se transformando em um protetorado da banca europeia e alemã. Aquele modelo (neoliberal) está dando no que está dando. O fato de que os governantes foram substituídos por outros diretamente ligados à esfera financeira mostra que cada vez mais os interesses do mercado aumentam e cada vez menos os interesses e os direitos da população permanecem.
JC – Tarso Genro fala em “governos de joelhos para o capital financeiro internacional”.
Koutzii – É uma expressão utilizada por ele, assim como citou Chico Buarque: “Tornar essa terra um imenso Portugal”… Então, aqui as coisas se encontram, se as condições para governar o Estado são mais ou menos com as dificuldades que sabemos, de crise estrutural, então vamos ter duas “mágicas” iniciais: a primeira, caminhamos por um discurso de governo no qual não priorizávamos o lado da crise nem o habeas-corpus de alguns meses dando explicações. E isso balizou o jeito com que o governo vai se comportar. Criamos um ritmo de iniciativas e de lógicas, um privilégio, já que no primeiro ano de governo vamos alcançar uma série de resultados significativos, comparado aos anos anteriores.
JC – Quais resultados?
Koutzii – Anunciamos, antes de assumir, empréstimos na ordem de R$ 2,1 bilhões e eles se materializaram. Fomos o primeiro Estado a chegar ao Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ao Bird (Banco Mundial), isso já estava elaborado no final da campanha (de 2010). Outra coisa muito marcante é a inflexão para dar um jeito nesta balança dura: como lidar com o mínimo de reposição salarial sem a unilateralização de investimentos. Conseguimos garantir a chegada dos empréstimos incluindo aquela pendenga de 20 anos que envolvia a CEEE. Não é um dinheiro do governo, mas permite também desafogar a situação. São resultados financeiros que garantem um patamar básico para incrementar certas linhas de investimento, como o das estradas.
JC – E o funcionalismo?
Koutzii - Oferecemos 10,5% para o magistério no terceiro mês do primeiro ano de governo. E no terceiro mês do segundo ano colocaremos mais 23%. Também informamos o nosso plano para 2014. Claro que existe essa polêmica sobre o índice de cálculo para alcançar o piso nacional (INPC ou Fundeb), mas é extremamente importante que o professor terá, descontando inflação, um acréscimo real de salário de mais de 50%. Claro que é pouco frente à gigantesca defasagem, mas é muito frente à capacidade de resposta parcial que vários governos deram. Ou seja, somos contrários à política que se desenvolve na Grécia e Portugal, a política de redução de direitos.
JC – Ao citar essas medidas, o senhor quer dizer que o governo não cortou e rompeu com o dilema “investir ou repor salários”?
Koutzii – Isso. Esse governo não está dando as costas para o magistério, pelo contrário, está propondo em direção a uma meta dentro de limites. Me incomoda um pouco essa lógica… O papel do sindicato é defender as ideias que ele considera adequadas, mas o papel de um governo ou de um agente político é discutir o sentido das ideias. Ou seja, ser do Cpers não quer dizer que a realidade não conta. Quando tentam deixar tudo igual, “nada é melhor, tudo é porcaria”, a direção vai se enfraquecendo.
JC – Isso pode ser um rompimento do Cpers com o PT?
Koutzii – Isso é uma ideia (relação PT e Cpers) que a direita desenvolvia muito nos governos Antonio Britto (PMDB, 1995-1998), Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006) e Yeda (Crusius, PSDB, 2007-2010). Os núcleos mais conhecidos de dirigentes (do Cpers) tinham filiação no PT, hoje há um peso maior do que antes de partidos como o P-Sol e o PSTU. Mas esse dilema vale para todos (governos). Vivi isso como chefe da Casa Civil no governo Olívio, era especialmente sensível para mim, que tinha lutas junto ao magistério. Eles não vão romper com o partido, alguém pode achar que sim… Mas acho que há uma espécie de disjuntor que desliga um pedaço da realidade de alguns líderes sindicais. Coloquei o quadro mundial porque isso reforça a necessidade, mesmo para lideranças sindicais, de perceber quem são os que têm mais proximidade com parte dos valores que eles defendem e quem são os que têm absoluta distância disso.
JC – O governo Tarso deu reajustes e vai investir. Mas isso será feito com empréstimos. E o Estado já deve mais de R$ 40 bilhões. Até quando isso é sustentável?
Koutzii – O drama é real e estrutural. As receitas são diferentes: no governo anterior (Yeda Crusius) era o “déficit zero”, o caixa estar equilibrado e não aumentar o buraco. Nós estamos mais interessados no “buraco da vida de cada um”. É uma diferença gigantesca, por isso, acho muito válido esse esforço que fizemos. É claro, isso vai aumentar o volume da nossa dívida, mas destaco o fato de que o tema da dívida não tem solução nos termos em que está, nem para nós nem para os outros estados, é impagável. Não tem como escapar de uma renegociação da dívida nos próximos anos, alterando seus termos. Para começo de conversa, deixar de ter aqueles 13% obrigatórios (da receita do Estado para pagar a dívida com a União).
JC – Neste momento, aumentar a dívida pode ser positivo?
Koutzii – É positivo porque dinamiza a capacidade de investir, de ter um volume mais respeitável aos assalariados no Estado. Então, todos esses elementos são ativantes e positivos, com a ressalva de sermos obrigados a aumentar a dívida. Mas, ao mesmo tempo, existe um elemento da dinâmica econômica que ajuda em geral o Estado em vários compartimentos.
JC – O projeto de reforma da previdência de 2011 não é contraditório à tese de preservar direitos dos trabalhadores?
Koutzii – Não, pelo contrário. Estamos falando de um drama estrutural, um desequilíbrio profundo na arrecadação. Nossa tradição política sempre foi de tentar defender isso como um direito indiscutível das pessoas. Mas nos diferentes governos, quase ninguém conseguiu passar de uma preliminar. É singular e notável que esse governo, no primeiro ano, deu um primeiro passo no assunto mais difícil, que mexe com interesses legitimíssimos das pessoas. E graças ao arco de alianças mais amplo que lhe dá base – que outros governos tiveram, mas a prova de como era difícil é que provocava fraturas na sua base – consegue aprovar. Então, passo um, o Executivo projeta e envia; dois, o Legislativo aprova; três, o Judiciário bomba. A modificação de alíquota (de contribuição para a previdência, que foi reajustada, mas com um redutor para salários menores) foi o que os desembargadores contestaram. E tinha a criação da previdência complementar, uma medida razoável, mas o combate completo a isso tenta mistificar dizendo que é “privatização”, mas não era. Nosso projeto tinha uma cláusula específica para não acontecer o que houve outras vezes, Britto e Yeda criaram fundo previdenciário e, perdendo a eleição, resolveram pagar contas com esse dinheiro. Então, o projeto permite manter o Instituto da Previdência e não o desvitalizar a cada ano. Quero registrar de forma muito crítica essa decisão do Judiciário gaúcho. Não por ser um doutor que sabe mais de leis do que eles, porque não sei. A questão é um pouco mais profunda.
JC – Em que sentido?
Koutzii – Um tema dessa magnitude é central para a sociedade. A desmoralização completa ou a falência futura do sistema da previdência são uma derrocada para a sociedade. E o Judiciário nos fez voltar à estaca zero. O fundo complementar e um aumento pequeno de alíquota apenas estancam a hemorragia. É muito dramático. Certas decisões acabam desvitalizando a democracia, porque se os caminhos legais, institucionais, são esses e em um poder fundamental do tripé, que é o Judiciário, não passa… E já digo, preliminarmente, que provavelmente do ponto de vista de amparo legal não se tem dúvida. Mas também não se tem dúvidas de que as grandes Cortes decidem sobre as coisas com uma grande possibilidade de prosperar na sociedade para o lado positivo.
JC – O governo Tarso apresentou projetos de ampliação de incentivos fiscais via Fundopem. O PT mudou?
Koutzii – O PT não sei, o governo sim…
JC – E sua posição sobre os incentivos fiscais?
Koutzii – Continuo pensando o mesmo, prós e contras. A Grécia é a expressão mais aguda dessa lógica de concessão crescente de competências do Estado para o setor privado. Como está posto no caso da Andrade Gutierrez (na questão da Copa), que é emblemático. E esse é o padrão, não é uma exceção! Parecia uma sociedade secreta, não se comunicava, quase uma máfia, mamando em dinheiro público… Achei formidável a reação do Banrisul. É um fato ruim, mas legal do ponto de vista de maturidade política, a opinião pública entendeu que o banco estava correto. Como vai emprestar sem garantia? O que me impressionou foi a desfaçatez da empresa, que é uma multinacional, ter avaliado a questão com tanta ignorância e desprezo à realidade do Estado. Mas essa lógica chantagista – “e tu me dá tudo porque te darei a graça de construir esse negócio” – é a mesma que eu via das montadoras. Não há diferença na lógica de base. Pelo menos a montadora construiu e produziu. Agora (no caso da Andrade Gutierrez) temos uma situação em que não sabemos como vai terminar (se vai reformar o estádio Beira-Rio).

Extraído do Blog RS Urgente, de Marco Aurélio Weisheimer.

sábado, 3 de março de 2012

Humor

Cristãos propuseram a oficialização de rituais de cura-gay, ao Congresso, classificaram opção sexual por doença e seus dogmas por cura.
Os gays reagiram, com bom humor:

Dem apoia milico golpista, alguma novidade?

Democratas de Canoas divulga nota em apoio ao Clube Militar

Presidente do DEM em Canoas, coronel médico
ressalta  as "tradições patrióticas" do Clube
Militar do Rio de Janeiro
Foto: Divulgação / Democratas Canoas
O diretório do partido Democratas (DEM) de Canoas divulgou na terça-feira (28) uma nota em apoio ao Clube Militar – entidade que reúne integrantes da ativa e da reserva do Exército e divulgou uma nota criticando a presidente Dilma Rousseff (PT). O presidente do DEM de Canoas, coronel médico da reserva Aluizio Gonçalves, escreveu um texto apoiando o “Clube Militar do Rio de Janeiro, com tradições patrióticas marcadas na sua trajetória” e “desaprovando a conduta autocrática da Presidência da República ignorando a Lei nº 7.524 de 17 de Julho de 1986, interferindo antidemocraticamente, ferindo a liberdade de expressão do Militares da Reserva; tudo sob o olhar de seus Comandantes que permanecem inertes perante tanta provocação”.
Do jornal eletrônico Sul 21.
Nota do blogueiro: Citando Trotsky: Nada de novo no front.
Qual a novidade em destroços da última ditadura, apoiando os discursos golpistas de outros destroços da mesma ditadura?
Esperamos que a limitada Comissão da Verdade faça aquilo que mais aterroriza à esses "senhores de bem"; Revele seus crimes, nomeie e enumere os criminosos de um regime corrupto, criminoso e ilegítimo, seus apoiadores, infuências e não por último, o destino de suas vítimas, para que o Estado que as torturou e matou, peça perdão por tais crimes.