quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Pelo fim da polícia militar.

Quem assistiu à sequência de filmes chamada Tropa de Elite, 1 e 2, obteve um retrato interessante do que o militarismo produz na sociedade brasileira, embora, trate-se de uma obra de ficção, facilmente identificamos elementos vivos das corporações militares.
No primeiro filme, apresenta-se uma tropa especializada em destruir e conquistar: Atirar e matar com a eficiência exigida de um corpo militar de infiltração em situações de guerra. Mostra-se o treinamento abusivo, toda a doutrina militarista, as humilhações como forma de construção de um ente obediente e dócil aos superiores, e extremamente violento e revanchista quando se volta aos inimigos (a população brasileira).
A corrupção desse sistema hierárquico, e a sua capacidade em formar assassinos profissionais, são evidentes, mesmo com a tentativa de separar dois tipos de policiais em categorias diferentes: Corruptos, que matam e lucram, e "não corruptos", que matam da mesma forma, mas não lucram.
O filme acaba com a execução sumária de um prisioneiro.
No segundo filme, o "herói que mata", vê-se diante do desmoronamento da ideologia assassina da qual fora porta voz (e fogo) durante boa parte da vida, e, no ponto alto do filme, após ver que tudo o que defendia era a manutenção de criminosos nas cadeias de comando, e um sistema de eliminação física de seus oponentes, em depoimento em uma CPI, afirma categoricamente: "A Polícia militar, precisa acabar."
Lembrei-me desse filme, que ilustra uma parte do contido no texto abaixo, escrito por Túlio Viana, postado no Blog Controvérsia:

Desmilitarizar e unificar a polícia



A Polícia Militar brasileira é um modelo anacrônico de segurança pública que favorece abordagens policiais violentas, com desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão

Túlio Vianna
Uma das heranças mais malditas que a ditadura militar nos deixou é a dificuldade que os brasileiros têm de distinguir entre as funções das nossas Forças de Segurança (polícias) e as das nossas Forças Armadas (exército, marinha, aeronáutica). A diferença é muito simples: as Forças de Segurança garantem a segurança interna do Estado, enquanto as Forças Armadas garantem a segurança externa. Polícias reprimem criminosos e forças armadas combatem exércitos estrangeiros nos casos de guerra.
Diante das desmensuradas diferenças de funções existentes entre as Forças de Segurança e as Forças Armadas, é natural que seus membros recebam treinamento completamente diferente. Os integrantes das Forças Armadas são treinados para enfrentar um inimigo externo em casos de guerra. Nessas circunstâncias, tudo que se espera dos militares é que matem os inimigos e protejam o território nacional. Na guerra, os prisioneiros são uma exceção e a morte é a regra.
As polícias, por outro lado, só deveriam matar nos casos extremos de legítima defesa própria ou de terceiro. Seu treinamento não é para combater um inimigo, mas para neutralizar ações criminosas praticadas por cidadãos brasileiros (ou por estrangeiros que estejam por aqui), que deverão ser julgados por um poder próprio da República: o Judiciário. Em suma: enquanto os exércitos são treinados para matar o inimigo, polícias são treinadas para prender cidadãos. Diferença nada sutil, mas que precisa sempre ser lembrada, pois muitas vezes é esquecida ou simplesmente ignorada, como na intervenção no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro ou em tantas outras operações na qual o exército tem sido convocado para combater civis brasileiros.
O militarismo se justifica pelas circunstâncias extremas de uma guerra, quando a disciplina e a hierarquia militares são essenciais para manter a coesão da tropa. O foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com estas se convence um ser humano a enfrentar um exército inimigo, mesmo em circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha. Os recrutas são submetidos a constrangimentos e humilhações que acabam por destituí-los de seus próprios direitos fundamentais. E se o treinamento militar é capaz de convencer um soldado a se deixar tratar como um objeto na mão de seu comandante, é natural também que esse soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira.
A sociedade reclama do tratamento brutal da polícia, mas insiste em dar treinamento militar aos policiais, reforçando neles, a todo momento, os valores de disciplina e hierarquia, quando deveria ensiná-los a importância do respeito ao Direito e à cidadania. Se um policial militar foi condicionado a respeitar seus superiores sem contestá-los, como exigir dele que não prenda por “desacato à autoridade” um civil que “ousou” exigir seus direitos durante uma abordagem policial? Se queremos uma polícia que trate suspeitos e criminosos como cidadãos, é preciso que o policial também seja treinado e tratado como civil (que, ao pé da letra, significa justamente ser cidadão).
O treinamento militarizado da polícia brasileira se reflete em seu número de homicídios. A Polícia Militar de São Paulo mata quase nove vezes mais do que todas as polícias dos EUA, que são formadas exclusivamente por civis. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo divulgado em julho deste ano, “de 2006 a 2010, 2.262 pessoas foram mortas após supostos confrontos com PMs paulistas. Nos EUA, no mesmo período, conforme dados do FBI, foram 1.963 ‘homicídios justificados’, o equivalente às resistências seguidas de morte registradas no estado de São Paulo”.Neste estado, são 5,51 mortos pela polícia a cada 100 mil habitantes, enquanto o índice dos EUA é de 0,63 . Uma diferença bastante significativa, mas que, obviamente, não pode ser explicada exclusivamente pela militarização da nossa polícia. Não obstante outros fatores que precisam ser levados em conta, é certo, porém, que o treinamento e a filosofia militar da PM brasileira são responsáveis por boa parte desses homicídios.
Nossa Polícia Militar é uma distorção dos principais modelos de polícia do mundo. Muitos países europeus possuem gendarmarias, que são forças militares com funções de polícia no âmbito da população civil, como a Gendarmerie Nationale na França, os Carabinieri na Itália, a Guardia Civil na Espanha e a Guarda Nacional Republicana em Portugal. As gendarmarias, porém, são bem diferentes da nossa Polícia Militar, a começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais. Em geral, as atribuições de policiamento das gendarmarias europeias se restringem a áreas rurais, cabendo às polícias civis o policiamento, tanto ostensivo como investigativo, das áreas urbanas, o que restringe bastante o âmbito de atuação dos militares. As gendarmarias europeias também são polícias de ciclo completo, isto é, realizam não só o policiamento ostensivo, mas também são responsáveis pela investigação policial.
No Brasil, a Constituição da República estabeleceu no seu artigo 144 uma excêntrica divisão de tarefas, na qual cabe à Polícia Militar realizar o policiamento ostensivo, enquanto resta à Polícia Civil a investigação policial. Esta existência de duas polícias, por óbvio, não só aumenta em muito os custos para os cofres públicos que precisam manter uma dupla infraestrutura policial, mas também cria uma rivalidade desnecessária entre os colegas policiais que seguem duas carreiras completamente distintas. O jovem que deseja se tornar policial hoje precisa optar de antemão entre seguir a carreira de policial ostensivo (militar) ou investigativo (civil), criando um abismo entre cargos que seriam visivelmente de uma mesma carreira.
Nos EUA, na Inglaterra e em outros países que adotam o sistema anglo-saxão, as polícias são compostas exclusivamente por civis e são de ciclo completo, isto é, o policial ingressa na carreira para realizar funções de policiamento ostensivo e, com o passar do tempo, pode optar pela progressão para os setores de investigação na mesma polícia. Para que se tenha uma ideia de como esse sistema funciona, um policial no Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) ingressa na carreira como agente policial (police officer) para exercer atividades de polícia ostensiva (uniformizado), tais como responder chamadas, patrulhar, perseguir criminosos etc. Depois de alguns anos, esse agente policial pode postular sua progressão na carreira para o cargo de detetive (detective) no qual passará a exercer funções investigativas e não mais usará uniformes. A carreira segue com os cargos de sargento (sergeant), que chefia outros policiais; de tenente (lieutenant), que coordena os sargentos; e de capitão (captain), que comanda o que chamaríamos de delegacia.
Apesar do que a semelhança dos nomes poderia sugerir, não se trata de patentes, mas de cargos, pois todos são funcionários públicos civis. Cada policial está subordinado apenas a seus superiores hierárquicos em linha direta, assim como um escrivão judicial brasileiro está subordinado ao juiz com o qual trabalha. Um agente policial estadunidense não está subordinado de qualquer forma às ordens de um capitão de uma unidade policial que não é a sua, assim como o escrivão judicial brasileiro não deve qualquer obediência a juízes de outras varas. Para se ter uma ideia da importância dessa diferença, basta imaginar a situação difícil em que fica um policial militar brasileiro ao parar, em uma blitz, um capitão a quem, para início de conversa, tem o dever de prestar continência. A hierarquia militar acaba funcionando, em casos como esse, como uma blindagem para os oficiais, em um nítido prejuízo para o princípio republicano da igualdade de tratamento nos serviços públicos.
As vantagens de uma polícia exclusivamente civil são muitas e, se somadas, a unificação das polícias ostensiva e investigativa em uma única corporação de ciclo completo só traz benefícios para os policiais, em termos de uma carreira mais atrativa, e aos cidadãos, com um policiamento único e mais funcional.
No Brasil, tramita no Senado da República a Proposta de Emenda à Constituição nº 102/2011, de autoria do senador Blairo Maggi (PR/MT), que, se aprovada, permitirá aos estados unificarem suas polícias em uma única corporação civil de âmbito estadual, representando um avanço imensurável na política de segurança pública brasileira, além de uma melhor aplicação do dinheiro público, que não mais terá que sustentar duas infraestruturas policiais distintas e, algumas vezes, até mesmo concorrentes.
A unificação das polícias também possibilitaria uma carreira policial bem mais racional do que a que temos hoje. O policiamento ostensivo é bastante desgastante e é comum que, à medida que o policial militar envelhece, ele acabe sendo designado para atividades que exijam menor vigor físico. Como atualmente existem duas polícias e, portanto, duas carreiras policiais distintas, os policiais militares acabam sendo designados para tarefas internas, típicas de auxiliar administrativo, mas permanecem recebendo a mesma remuneração de seus colegas que arriscam suas vidas nas ruas. Com a unificação, ocorreria o que acontece na maioria das polícias do mundo: ele seria promovido para o cargo de detetive e sua experiência como policial ostensivo seria muito bem aproveitada na fase de investigação. Para suprir os cargos administrativos meramente burocráticos, bastaria fazer concursos para auxiliares administrativos que requerem vocação, habilidades e treinamento bem mais simples daqueles exigidos de um policial.
Por outro lado, os policiais civis que realizam o trabalho de investigação atualmente são recrutados por meio de concursos públicos e começam a exercer suas atividades investigativas sem nunca terem tido experiência policial nas ruas. Com a unificação da polícia, o ingresso se daria sempre para o cargo de policiamento ostensivo, no qual o policial ganharia experiência e só então poderia ascender na carreira para os cargos de investigação. Um modelo que privilegia a experiência prática, e não o conhecimento técnico normalmente exigido em provas de concursos.
Finalmente, a unificação das polícias acabaria também com os julgamentos de policiais pela Justiça Militar. Pelo atual sistema, os crimes praticados por policiais militares em serviço (exceto crimes dolosos contra a vida de civis) são julgados não pelo juiz criminal comum, mas pela Justiça Militar, em uma clara violação do princípio republicano da isonomia. É como se as universidades federais tivessem uma Justiça Universitária para julgar os crimes praticados por professores durante as aulas; ou as indústrias tivessem uma Justiça Industrial para julgar os crimes praticados por metalúrgicos em serviço. Uma espécie de universo paralelo jurídico que só se explica pela força política dos militares quando da promulgação da Constituição de 1988.
Desmilitarizar e unificar as polícias estaduais brasileiras é uma necessidade urgente para que haja avanços reais na nossa política de segurança pública. Vê-se muito destaque na mídia para projetos legislativos que demagogicamente propõem o aumento de penas e outras alterações nos nossos códigos Penal e de Processo Penal como panaceia para o problema da criminalidade. Muito pouco se vê, porém, quanto a propostas que visem a repensar a polícia brasileira.
De nada adianta mudar a lei penal e processual penal se não se alterar a cultura militarista dos seus principais aplicadores. Treinem a polícia como militares e eles tratarão todo e qualquer suspeito como um militar inimigo. Treinem a polícia como cidadãos e eles reconhecerão o suspeito não como “o outro”, mas como alguém com os seus mesmos direitos e deveres. Nossa polícia só será verdadeiramente cidadã quando reconhecer e tratar seus próprios policiais como civis dotados dos mesmos direitos e deveres do povo para o qual trabalha.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

No país do novelão...


A política é o que menos interessa.
Na tentativa desesperada de desestabilizar o governo federal, transformar o PT no criador da corrupção no país e enlamear a história de políticos ligados ao partido, antecipando o confronto eleitoral de 2014, a mídia corporativa brasileira já tentou de tudo: Encontraram um deputado, presidente de um partido que se envolvera até o pescoço num esquema de propina dentro dos Correios, criaram um termo novo (mensalão), jogaram luzes em cima e chamaram de o maior escândalo de corrupção de todos os tempos (o ladrão torna-se herói, os denunciados, sem provas concretas, presidiários), criaram textos extraídos de grampos religiosos (só ficam na crença dos que engolem o dogma midiático, nunca são mostrados. É uma questão de fé), creditam desastres aéreos ao então presidente, em véspera de eleição, dentre tantas obras, dignas de causar vergonha a um Charles Foster Kane, mas não ruboriza os Kanes do imprensalão.
Agora apelam para o caráter novelesco do interesse nacional: Fulano tinha uma amante? Um filho fora do casamento? Viajava pelo mundo com ela? Descobriu que o filho não era dele? Anda de Jet Sky? 
A política, vai pro saco. Não interessa. Porque eu vou querer saber quem está indo contra a redução das tarifas de energia, propostas pelo governo federal? Porque vou querer saber no que me afeta a partilha dos Royalties do pré-sal? Aliás, porque me interessar pelo que pode estar sendo oculto por essa discussão, se posso acompanhar, novelescamente a vida pessoal de presidentes, ex-presidentes, senadores, deputados, entes públicos em geral, como se fossem personagens das novelas globais?
Se Lula, tinha uma amante, se FHC teve ou não filho fora do casamento, isso deveria ser restrito à esfera privada, questões para si e suas famílias. O que deveria importar, seus projetos para o país, o que planejam, quem os apoia, como podem interferir em sua vida, pode ser um pouquinho mais interessante. Infelizmente,  muito poucos olham para onde deve.
Pode ser um dos motivos pelos quais não conseguimos sair das armadilhas do capital, mantidas e sustentadas pelo imprensalão. Sempre subservientes, sempre contentes, sempre esperando o próximo capítulo...

O texto abaixo fora extraído do site da Carta Capital, escrito pelo jornalista Leandro Fortes:

A moral de velhas prostitutas

Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula
Como a versão das conversas grampeadas entre ela e Lula foi desmentida pelo Ministério Público Federal, e é pouco provável que o submundo midiático volte a apelar para grampos sem áudio, restou essa nova sanha: acabar com o casamento de Lula e Marisa.
Já que a torcida pelo câncer não vingou e a tentativa de incluí-lo no processo do “mensalão” está, por ora, restrita a umas poucas colunas diárias do golpismo nacional, o jeito foi apelar para a vida privada.
Lula pode continuar sendo popular, pode continuar como referência internacional de grande estadista que foi, pode até eleger o prefeito de São Paulo e se anunciar possível candidato ao governo paulista, para desespero das senhoras de Santana. Mas não pode ser feliz. Como não é possível vencê-lo nas urnas, urge, ao menos, atingi-lo na vida pessoal.
Isso vem da mesma mídia que, por oito anos, escondeu uma notícia, essa sim, relevante, sobre uma amante de um presidente da República.
Por dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso foi refém da Rede Globo, uma empresa beneficiária de uma concessão pública que exilou uma repórter, Míriam Dutra, alegadamente grávida do presidente. Miriam foi ter o filho na Europa e, enquanto FHC foi presidente, virou uma espécie de prisioneira da torre do castelo, a maior parte do tempo na Espanha.
Não há um único tucano que não saiba a dimensão da dor que essa velhacaria causou no coração de Ruth Cardoso, a discreta e brilhante primeira-dama que o Brasil aprendeu desde muito cedo a admirar e respeitar. Dona Ruth morreu com essa mágoa, antes de saber que o incauto marido, além de tudo, havia sido vítima do famoso “golpe da barriga”. O filho, a quem ele reconheceu quando o garoto fez 18 anos, não é dele, segundo exame de DNA exigido pelos filhos de Ruth Cardoso. Uma tragicomédia varrida para debaixo do tapete, portanto.
O assunto, salvo uma reportagem da revista Caros Amigos, jamais foi sequer aventado por essa mesma mídia que, agora, destila fel sobre a “namorada” de Lula. Assim, sem nenhum respeito ao constrangimento que isso deve estar causando ao ex-presidente, a Dona Marisa e aos filhos do casal. Liberados pela falta de caráter, bom senso e humanidade, a baixa assessoria de tucanos, entre os quais alguns jornalistas, tem usado as redes sociais para fazer piadas sobre o tema, palhaços da tristeza absorvidos pela vilania de quem lhes confere o soldo.
Esse tipo de abordagem, hipócrita sob qualquer prisma, era o fruto que faltava ser parido desse ventre recheado de ódio e ressentimento transformado em doutrina pela fracassada oposição política e por jornalistas que, sob a justificativa da sobrevivência e do emprego, se prestam ao emporcalhamento do jornalismo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Assassino ainda livre e armado.


Arquivo do blog.
Para quem não recorda do ocorrido: http://naoestaavenda.blogspot.com.br/2009/08/mal-subito-causado-por-disparo-de.html
Três anos após o assassinato do trabalhador rural Elton Brum, durante ocupação do complexo Southal, em São Gabriel, o assassino confesso (ou bode expiatório de oficiais da BM, de acordo com o ex-ouvidor da Secretaria de Segurança, Adão Paiani), continua livre e portando armas de fogo.
O trabalhador estava desarmado, de costas e fora executado com disparos de arma de calibre 12, disparadas por policial militar durante a ação. A corporação chegou a divulgar nota afirmando que o trabalhador teria morrido em decorrência de uma mal súbito.

O texto abaixo fora extraído do jornal Correio do Povo:

Soldado que assassinou sem-terra mantém porte de arma e permanece na BM



Alexandre Curto exerce funções administrativas na corporação em Bagé

O soldado Alexandre Curto dos Santos, que confessou ter atirado no sem-terra Elton Brum da Silva, de 44 anos, em agosto de 2009, em São Gabriel, mantém o porte de arma e segue trabalhando na Brigada Militar, ainda que no setor administrativo. Durante uma tentativa violenta e desastrada de desocupação da propriedade rural Posto Bragança, o agricultor, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), foi assassinado pelas costas, com tiros de espingarda calibre 12. A arma é geralmente utilizada pela corporação em ocupações do movimento. 


Alexandre Curto assumiu a autoria, mas alegou pensar que a munição era de borracha. Na Brigada Militar de Bagé, Curto, que é professor de Educação Física, mantém atividades na parte administrativa. “Sou professor de Educação Física, dou aula”, disse. 


A conversa, na tarde desta quarta-feira foi por telefone, e breve. Mas Alexandre Curto revelou à reportagem que segue com porte de arma, mesmo depois de, em serviço, há três anos, ter assassinado o agricultor. “Normal, não tem restrição nenhuma. Para o serviço é a arma de porte, revólver ou pistola”, explicou. Hoje, carrega consigo uma pistola. A reportagem já solicitou entrevista com o Comando da Brigada Militar.


Consultado, o advogado do MST Emiliano Maldonado lamentou que o julgamento do assassinato de Elton esteja arrastado há mais de três anos entre a produção do inquérito, a denúncia do Ministério Público e o processo judicial. “Cometem (policiais) um delito, homicídio, mas também casos de abuso de autoridade, tortura... e a tendência é ficar no esquecimento. Nós temos uma cultura autoritária política que se mantém desde a época da ditadura”.


Em 2010, o Ministério Público de São Gabriel denunciou o brigadiano por homicídio qualificado. Conforme o MP, a vítima foi alvejada pelas costas, completamente desarmada e alheia ao confronto protagonizado pela Brigada Militar e do MST no momento do disparo. Na Justiça, o processo está na fase de depoimento de testemunhas. Ainda não há sentença de pronúncia para que se defina se o caso vai ou não a júri popular.





quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Queima de arquivo.

A comissão da verdade precisa acelerar os trabalhos, especialmente a convocação de testemunhas-chave de eventos não protegidos pela malfadada Lei da Anistia, como o atentado à bomba ao Rio Centro, em 1981, organizado pelo governo terrorista estabelecido após o golpe de 64, visando atribuir a culpa pelas mortes a grupos de esquerda.
Uma dessas testemunhas fora assassinada em Porto Alegre, em 01 de novembro, o coronel Julio Miguel Molina Dias,  ex-chefe do DOI-CODI, à época do atentado.
Chama a atenção a velocidade e presteza com que um dos jornais que foram criados após esse golpe, por apoiadores e simpatizantes do governo terrorista, divulga uma afirmação destemperada de um delegado da polícia civil gaúcha, que, sem investigação alguma descarta motivações ligadas à atividade "militar" do ex-chefe do DOI-CODI, o que poderíamos chamar de queima de arquivo.

O texto abaixo fora extraído do Blog Diário Gauche, do Sociólogo Cristóvão Feil:


A Polícia gaúcha tem um Sherlock Holmes e não sabia




Vinte e três dias depois do assassinato do ex-chefe do DOI-Codi, o delegado da Polícia Civil/RS, Luís Fernando Martins de Oliveira, é categórico, e está tão seguro do que afirma que chegou a fazer declarações peremptas ao jornal ZH: "Pelo que consta ali, já descartamos a hipótese de o coronel ter sido morto por vingança em razão da atividade no Exército".



Ocorre que o falecido coronel Julio Miguel Molinas Dias, assassinado no último dia 01 de novembro, em Porto Alegre, não tem um passado nebuloso e contestado pelo fato de ter tido "atividade no Exército", mas sim por ter sido chefe do DOI-Codi, à época do atentado terrorista (perpetrado por membros das Forças Armadas do Brasil, sem farda) ao Riocentro, no Rio de Janeiro, no ano de 1981.



É de estranhar, portanto, a conclusão-relâmpago do delegado da Polícia gaúcha. Com tantas hipóteses a serem investigadas, o delegado se sente suficientemente seguro para prestar uma declaração à imprensa com convicções formadas e inabaladas pela dúvida ou pela incerteza, mesmo sabendo que tenham passados mais de três décadas do atentado datigrada ao Riocentro.



Ora, o coronel assassinado em Porto Alegre, foi nada menos que o chefão da tigrada, segundo o jargão das próprias Forças Armadas para aqueles militares renitentes em aceitar os termos do "processo de abertura lenta, gradual e segura" - como queriam o general-ditador Ernesto Geisel e seu sucessor, João Figueiredo.  O general Geisel, aliás, chamava essa linha dura dos seus comandados da repressão de "bolsões sinceros, porém radicais", um eufemismo para designar assassinos e torturadores fardados à serviço do Estado brasileiro.



Tão radicais, que não hesitaram em tentar colocar bombas assassinas em um local fechado, onde se realizaria um grande show musical com milhares de civis, inocentes todos. A sorte é que a bomba - por uma trapalhada dos seus operadores - acabou explodindo antes da hora, e justo no colo de um dos terroristas chefiados pelo coronel Molinas Dias, assassinado dias atrás em Porto Alegre.   



Diante da certeza - manifestada publicamente à imprensa - do delegado Martins de Oliveira é de sugerir que o mesmo seja condecorado com alguma ordem do mérito por genialidade investigativa. A Polícia civil gaúcha tem um Sherlock Holmes e não sabia.


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Negro é negro, índio é índio...

Com a çábia sentença que intitula esse texto, o pastor-deputado Marcos Feliciano, do Partido Social Cristão, inicia sua ilação homofóbica e racista, em defesa de uma prática banida pelo Conselho Federal de Psicologia: O "Tratamento Para a Cura da Homossexualidade."
Negro é negro, índio é índio e não podem ser mudados, afirma o pastor-deputado, comparando as duas etnias ao que considera aberrações, os homossexuais, que, de acordo com seu dogmatismo demente, devem ser transformados naquilo que considera normal. 
Como o próprio afirma que legisla por causas bíblicas, e esse livro defende a escravidão, e condena não seguidores de sua doutrina, podemos, claramente exaltar o viés racista do discursante.
A Comissão de Ética da Câmara não pode deixar essa passar em branco. Congresso não é pupto de igreja evangélica, nem um grupelho skinhead...
O texto abaixo é do site notícias.gospelmais:


“Negro é negro e não tem como mudar. Homossexualismo pode ser mudado”, diz pastor Marco Feliciano, durante audiência pública na Câmara

A Comissão de Seguridade Social e Família realizou uma audiência pública para discutir a resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe os profissionais do setor de atenderem pessoas interessadas em modificar sua orientação homossexual.
Durante a audiência pública foi sentida a ausência de debatedores favoráveis à resolução, fato que foi criticado pelo pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), de acordo com informações da revista Exame.
Outro parlamentar presente na audiência, deputado federal pastor Eurico (PSB-PE), afirmou que não se trata de implantar “tratamento compulsório”, mas permitir que existam alternativas aos interessados, o que atualmente não existe: “É preciso pensar no direito de quem quer deixar o homossexualismo”, afirmou.
Ressaltando que apesar de a homossexualidade não ser considerada uma doença pela Organização Mundial da Saúde, o pastor Feliciano afirmou que é passível de tratamento, quando há interesse por parte do indivíduo: “Índio nasce índio, não tem como mudar; negro nasce negro não tem como mudar; mas quem nasce homossexual pode mudar. Até a palavra homossexual deveria ser abolida do dicionário, já que se nasce homem ou mulher”, disse, numa tentativa de argumentar contra a acusação de que seria preconceito contra homossexuais a existência de um tratamento comportamental específico, segundo informações da Agência Câmara de Notícias.
Toni Reis, ativista homossexual e presidente a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais) classificou como fraude a proposta de cura gay: “Prometer cura para o que não é doença, no caso para a homossexualidade, é charlatanismo”.
A psicóloga cristã Rozângela Justino afirmou que passou a ser perseguida pelo Conselho Federal de Psicologia: “Sou discriminada por ser evangélica. Sempre atendi pessoas com desejo de não sentir atração por pessoas do mesmo sexo”, afirmou, revelando ainda que após ser punida em 2009 por atender pacientes que buscavam ajuda para abandonar a prática homossexual, abandonou a profissão.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Cidadão é expulso de Câmara de Vereadores por não rezar.

O título não se refere ao Irã, ao Vaticano, à Israel, ao Afeganistão ou de algum outro estado onde as garantias fundamentais estejam seriamente comprometidas pela intervenção religiosa, ou mesmo pelo status confessional desse.
Não se refere, também, a nenhum estado medieval, ou aos séculos que se seguiram de dominação religiosa desses.
Isso aconteceu na Câmara Municipal de Piracicaba, estado de São Paulo, de uma quase República Teocrática-Fundamentalista do Brasil. Um cidadão expulso de um órgão legislativo por não ficar em pé durante a leitura de textos religiosos, retirado do recito pelo aparato coercitivo do Estado dito laico.
Não fiquem assustados, caso, um belo dia percebam um dízimo compulsório, cobrado como imposto, aprovado pela bancada que pretende utilizar recursos do FGTS para construir centros proselitistas de arrecadação (templos), utilizar-se de recursos públicos, como água e energia, sem pagar, dentre outros tresloucados PLs.

Não vote em religiosos, e evite cenários talebãs, como esse.

Dica da minha irmã, Simoni Freitas Cezar, texto extraído do Jornal de Piracicaba, foto do Facebook e vídeo (ao fim do texto) do G1.

Câmara tem bate-boca e cidadão expulso

A sessão da Câmara foi mais uma vez marcada por pontos altos de bate-bocas e situações de conflito entre os vereadores e aqueles que acompanhavam, na segunda (29/10), os trabalhos. Um homem foi retirado do plenário pela Guarda Civil e pela Polícia Militar porque recusou a se levantar durante a leitura da bíblia no início da sessão ordinária. O projeto que disciplina o uso do plenário e restringe a permanência dos cidadãos no espaço também criou polêmica.
Antes mesmo de serem votadas, as resoluções de número 09/2012 e a de número 10/12, que altera o regimento interno da Casa, tiveram suas votações adiadas para a próxima sessão, já que o vereador José Antônio Fernandes (PT) apresentou emendas às proposituras.
A resolução 10/12 fixa para o dia 1º de janeiro a cerimônia de posse às 17h e não pela manhã como ocorria anteriormente. O tempo de manifestação dos vereadores, a partir da publicação da resolução, também será modificado.
Entre as determinações estão o prazo de cinco minutos para falar na tribuna durante o expediente, ao invés dos 10 permitidos atualmente; 15 minutos para discussão de projetos e substitutivos, com apartes; cinco minutos para entrega de moção, requerimentos, sujeitos a debate, emendas e subemendas, todos com apartes, entre outros itens. A emenda de Paiva solicita a modificação da redação e altera alguns prazos de tempo.


sábado, 27 de outubro de 2012

A terra dos Guaranis-Kaiowá não estão à venda...


...nem ociosas para o saque, à invasão agropecuária exportadora, aos desmandos de juízes pecuaristas e tão pouco aos planos de aposentadoria de atrizes globais.
O texto abaixo, uma bela análise histórico cultural do genocídio promovido pelo empreendedorismo do "agribusiness", foi extraído do Blog Taqui Pra Ti:


CORTA ESSA DE SUICÍDIO!
José Ribamar Bessa Freire
28/10/2012 - Diário do Amazonas


Foi assim. No primeiro século da era cristã, os Guarani saíram da região amazônica, onde viviam, e caminharam em direção ao Cone Sul. Depois de longas andanças, ocuparam terras que hoje estão dentro de vários estados nacionais: Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia. Os vestígios arqueológicos e linguísticos que foram deixando ao longo do caminho permitiram que os pesquisadores reconstruíssem essa rota e estabelecessem datas prováveis do percurso feito.  
Dois mil anos depois, um italiano, nascido em 1948, em Toscana, atravessou o oceano Atlântico com sua família, veio para Porto Alegre, de lá para Curitiba, se naturalizou brasileiro e se instalou, finalmente, em Mato Grosso do Sul, onde encontrou os Guarani, que lá vivem há quase dois milênios. O italiano recém-chegado se tornou governador do Estado. Seu nome: André Puccinelli (PMDB - vixe, vixe).
A migração estrangeira ajudou a construir nosso país, quando conviveu em paz com os que aqui estavam há muitos séculos, sem atropelá-los. Muitos estrangeiros, honrados, trouxeram trabalho, riqueza e cultura e compartilharam o que tinham e o que produziam com o resto da sociedade que os acolheu. Ensinaram a aprenderam. Mudaram e foram mudados. Benditos estrangeiros que plasmaram a alma brasileira!  
No entanto, não foi isso o que sempre aconteceu em Mato Grosso do Sul. Lá, desde 1915, fazendeiros, pecuaristas e agronegociantes, quando chegaram, encontraram as terras ocupadas por índios. Consideraram as terras indígenas como "devolutas" e começaram a expulsar os que ali viviam, num processo que se acelerou nas últimas décadas. Foi aí que os invasores, representados hoje, no campo político, por André Puccinelli, colocaram seus documentos pra fora e, machistas, ordenaram autoritariamente:
- Deite que eu vou lhe usar!
Usaram a terra em proveito próprio, da mesma forma que o coronel Jesuíno, interpretado por José Wilker, usou a Sinhazinha na minissérie Gabriela: sem nenhum agrado, sem qualquer respeito. Com dose cavalar de brutalidade, desmataram, queimaram, exploraram os recursos naturais, abusaram dos agrotóxicos, colheram safras bilionárias de soja, cana e celulose, extraíram minério, poluíram rios e privatizaram a natureza para fins turísticos. Pensaram só neles, no lucro, e não na terra e na qualidade da vida, nem compartilharam com a sociedade, que ficou mais empobrecida.
Flor da terra
O resultado desastroso do uso da terra foi lamentado pelos líderes e professores Kaiowá em carta de 17 de março de 2007:
 - O fogo da morte passou no corpo da terra, secando suas veias. O ardume do fogo torra sua pele. A mata chora e depois morre. O veneno intoxica. O lixo sufoca. A pisada do boi magoa o solo. O trator revira a terra. Fora de nossas terras, ouvimos seu choro e sua morte sem termos como socorrer a Vida.  
Para os Guarani, o que aconteceu foi um estupro, ferindo de morte a sinhazinha natureza. A relação deles com a terra é amorosa, eles não se consideram donos da terra, mas parceiros dela. Ela é o tekoha, o lugar onde cultivam o modo de ser guarani, o nhanderekó. "Guardamos com a terra" - diz o kaiowá Tonico Benites - "um forte sentimento religioso de pertencimento ao território".
O professor guarani Marcos Moreira, quando foi meu aluno no curso de formação de professores, entrevistou o velho Alexandre Acosta, da aldeia de Cantagalo (RS) que, entre outras coisas, falou:
Esta terra que pisamos é um ser vivo, é gente, é nosso irmão. Tem corpo, tem veias, tem sangue. É por isso que o Guarani respeita a terra, que é também um Guarani. O Guarani não polui a água, pois o rio é o sangue de um Karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não percebe. É uma pessoa, tem alma. Quando um Guarani entra na mata e precisa cortar uma árvore, ele conversa com ela, pede licença, pois sabe que se trata de um ser vivo, de uma pessoa, que é nosso parente e está acima de nós.
Os líderes Kaiowá reforçam essa relação com a terra quando lembram, na carta citada, que o criador do mundo criou o povo Guarani para ter alguém que admirasse toda o esplendor da natureza."O nosso povo foi destinado em sua origem como humanidade a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo" - escreve o kaiowá Tonico Benites, doutorando em antropologia. "Por isso, nós somos a flor da terra, como falamos em nossa língua: Yvy Poty" - completam os líderes Kaiowá.
Se a terra é um parente, a relação com ela deve ser de troca equilibrada, de solidariedade. É como a mãe que dá o leite para o filho. Ela dá, sem pensar em cobrar. Ela não cobra nada, mas socialmente espera que um dia, se precisar, o filho vai retribuir.
"Tudo isso é frescura" - dizem os fazendeiros e pecuaristas que pensam como o coronel Jesuíno: a terra é pra ser usada. E ponto final. Portanto, o conflito não é apenas fundiário, mas cultural, com proporções tão graves que a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, considera essa como "a maior tragédia conhecida na história indígena em todo o mundo". É que os Guarani decidiram defender a terra ferida e para isso realizaram um movimento de ocupação pacífica do território tradicional localizado à margem de cinco rios: Brilhantes, Dourados, Apa, Iguatemi e Hovy.
Apenas uma pequena parte do antigo território, que lhes permita sobreviver dignamente, é reivindicada. É o caso da comunidade Pyelito Kue-Mbarakay, no extremo sul do Estado, onde vivem 170 Kaiowá, dentro da fazenda Cambará, às margens do rio Hovy, município de Iguatemi (MS). A comunidade está cercado por pistoleiros e lá já ocorreram recentemente 4 mortes, duas por espancamento e tortura dos jagunços e duas por suicídio.
Somos Kaiowá       
Um juiz federal, Sergio Henrique Bonacheia, determinou, em setembro último, a expulsão dos índios. Ele afirmou que não interessa "se as terras em litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima". Os índios vão ter que sair - decidiu o magistrado.
O Ministério Público Federal e a Funai recorreram ao Tribunal Regional Federal contra tal decisão. Os índios se rebelaram, escreveram uma carta anunciando que dessa forma o juiz está decretando a morte coletiva, que ele  pode enviar os tratores para cavar um grande buraco e enterrar os corpos de todos eles: 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças,  que eles ali ficam, como um ato de resistência, para morrer na terra onde estão enterrados seus avós.
O suicídio coletivo - assim a carta foi interpretada - teve enorme difusão nas redes sociais e ampla repercussão internacional, "com o silêncio aterrador" da mídia nacional, como lembrou Bob Fernandes, autor de um dos três artigos esclarecedores e informativos. Os outros dois foram de Eliane Brum e de Tonico Benites.
Construiu-se rapidamente nas redes sociais uma corrente de solidariedade, com sugestões para a realização de atos de protestos em muitas cidades brasileiras. "Nós todos somos Kaiowá" - disseram, parodiando um slogan que ficou célebre em maio de 1968, na França: "Nous sommes tous des juifs allemands".  Um desses atos, marcado para hoje, domingo, dia 28, será no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, onde está instalada uma exposição sobre a vida da atriz Regina Duarte, proprietária de uma fazenda em MS e considerada porta-voz dos fazendeiros, por uma declaração infeliz que deu.
Diante da gravidade dos fatos, o governo federal convocou reunião de emergência para a próxima segunda-feira, com a participação de vários órgãos governamentais. A possibilidade de se efetivar o suicídio coletivo dos Kayowá se apoia em dados oficiais do Ministério da Saúde: nos últimos onze anos, entre 2.000 e 2011, ocorreram 555 suicídios, uma das taxas mais altas do mundo.
Se a tragédia acontecer, uma pergunta vai ter que ser respondida: suicídio coletivo? Será mesmo? A ideia de suicídio é, num certo sentido muito cômoda, porque isenta de culpa a terceiros. Mas se você é levado por alguém a se matar, trata-se de suicídio ou de uma forma de homicídio? O artigo 122 do Código Penal Brasileiro estabelece pena de reclusão para o agente que, através de ato, induz ou instiga alguém a se suicidar ou presta-lhe auxílio para que o faça. Quem pode ser incriminado neste caso?
A pergunta deve ser feita ao governador Puccinelli, implicado pela Operação Uragano da Polícia Federal num esquema ilegal de pagamento de propinas a deputados e desembargadores, que em maio de 2010, durante a abertura da Expoagro, em Dourados, incitou os fazendeiros contra os índios. A pergunta pode ser repassada também à senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, que em artigo, ontem, na Folha de São Paulo, teve o descaro de escrever, com certa dose de cinismo e de deboche:
- "Se a Funai pensa, por exemplo, que são necessárias mais terras para os indígenas pela ocorrência da explosão demográfica em certa região, nada mais fácil do que comprar terras e distribuí-las".
O discurso da senadora  - convenhamos - é transparente, porque evidencia a relação exclusivamente mercantil que têm com a terra, ela e aqueles que ela representa e da qual é porta-voz. Mostra ainda que ela não é capaz de entender a relação amorosa e religiosa dos Guarani com a terra. O coronel Jesuíno, certamente, assinaria embaixo de tal discurso.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Democracia.

"Após eleger o seu representante a população participa das discussões e decisões mais importantes. Também, a qualquer momento o mandato poderá ser revogado pela maioria dos eleitores caso o eleito não cumpra com as obrigações assumidas em sua base eleitoral. Não existe remuneração para o exercício do mandato e os eleitos permanecem exercendo suas profissões e recebendo o salário correspondente ao seu trabalho."

Querem saber onde é aplicado esse sistema político?

Em CUBA:



Eleições em Cuba: quem indica os candidatos é o povo!

Por Vania Barbosa
Artigo publicado originalmente no Jornalismo B Impresso
Desvinculado do modelo partidarista o sistema eleitoral cubano possibilita o exercício livre da cidadania com a escolha dos candidatos pelos próprios eleitores, o que incentiva o alto índice de comparecimento às eleições, mesmo que o voto não seja obrigatório. Para concorrer não é necessário que o candidato seja filiado a qualquer partido político.
De acordo com o estabelecido na Constituição da República e na Lei Eleitoral nº 72, de 29 de outubro de 1992, o Conselho de Estado de Cuba convocou, no último 5 de julho, eleições gerais para delegados às Assembleias Municipais, Provinciais e Nacional do Poder Popular. Em uma primeira etapa, no dia 21 de outubro os eleitores elegem, para um mandato de dois anos e meio, os delegados às Assembleias Municipais, e em 28 de outubro, em segundo turno, nas localidades onde nenhum dos candidatos tenha obtido 50% dos votos válidos mais um. Os delegados às Assembleias provinciais e à Assembleia Nacional do Poder Popular serão eleitos por um período de cinco anos, em uma nova data a ser estabelecida. Está prevista a participação de cerca de 8,5 milhões de cubanos.
Desvinculado do modelo partidarista o sistema eleitoral cubano possibilita o exercício livre da cidadania com a escolha dos candidatos pelos próprios eleitores, o que incentiva o alto índice de comparecimento às eleições, mesmo que o voto não seja obrigatório. Os candidatos não são indicados por partidos e sim pelos cidadãos maiores de 16 anos que automaticamente são inscritos no Registro Eleitoral, sem custos ou burocracia. Conforme o Artigo 3º da Lei Eleitoral, o voto é livre, igualitário e secreto, e o cidadão está protegido contra punições, multas ou sanções no trabalho caso se abstenha de votar, ao contrário do que ocorre em outros países. Os membros das Forças Armadas têm direito a votar, eleger e a ser eleitos.
Após a convocação das eleições, no início de julho, mais de 170 mil cubanos – representantes de todos os setores sociais do país – se qualificaram como autoridades eleitorais para integrar as comissões provinciais, municipais e de circunscrição que conduzem o processo de escolha dos delegados e, posteriormente, validam os resultados. Desde o último dia 3 de setembro e até o dia 29, a população participa das mais de 50.900 assembleias – organizadas também pela Comissão Eleitoral Nacional (CEN) – e ali indica, abertamente, os delegados que concorrem às Assembleias Municipais e Provinciais e à Assembleia Nacional do Poder Popular, eleitos mediante voto em urna, direto e secreto.
Os encontros são realizados em cerca de 29.500 circunscrições eleitorais e cada eleitor pode indicar um candidato entre os moradores residentes na área e, inclusive, de outra área pertencente à mesma circunscrição, caso seja necessário. Seguindo a legislação eleitoral – dependendo do número de habitantes – cada área terá entre dois e oito candidatos, tudo para garantir outras opções aos votantes e a indicação de pessoas com “méritos, capacidade, condições e possibilidades de representar a população”. A circunscrição eleitoral é uma divisão territorial do município a partir do número de seus habitantes, e se constitui em célula fundamental do Sistema do Poder Popular.
Desde o dia 22 de setembro foram divulgadas as listas dos candidatos para que a população as revise e, caso necessário, solicite adequações ou emendas, através das autoridades eleitorais. As alterações poderão ser feitas até a primeira quinzena de outubro e a partir daí tem inicio os preparativos para a etapa inicial das eleições, no dia 21 do mesmo mês.
Segundo dados da CEN, desde 1976, quando entrou em vigor a atual Constituição, mais de 95 por cento dos eleitores inscritos têm participado das eleições. Nas últimas eleições para deputados votaram cerca de 8 milhões de cubanos, cifra que superou 98 por cento de participação e com baixo índice de votos nulos ou em branco. Em Cuba, o registro de eleitores para as eleições gerais 2012-2013 conta com cerca de 8,5 milhões de cubanos, em um país de 11 milhões de habitantes.
A propaganda eleitoral
Outra característica no processo eleitoral cubano é a ausência de marketing e custos com propaganda, fatores que em outros países favorecem candidatos com maior poder econômico ou implicam na necessidade de obtenção de fundos para eleger um representante. As praças e as ruas são limpas de painéis ou panfletos e os candidatos não precisam disputar ou pagar espaços nos jornais, rádios e televisões. Também não ocorrem campanhas difamatórias entre os candidatos. A propaganda é feita pelas autoridades eleitorais que são responsáveis por publicar, na área de residência dos eleitores, as foto dos candidatos – todas em um mesmo formato e tamanho – e uma síntese da sua biografia.
Para concorrer não é necessário que o candidato seja filiado a qualquer partido político e as regras são as mesmas para todos os cargos do Poder Popular. As candidaturas deverão ser antes apresentadas por alguma organização ou movimento social e submetidas à consideração da Assembleia do Poder Popular da circunscrição correspondente, além de aprovadas pelos delegados. Será considerado eleito aquele que obtenha mais da metade dos votos válidos dos eleitores. 50% das vagas são garantidas às mulheres.
Após eleger o seu representante a população participa das discussões e decisões mais importantes. Também, a qualquer momento o mandato poderá ser revogado pela maioria dos eleitores caso o eleito não cumpra com as obrigações assumidas em sua base eleitoral. Não existe remuneração para o exercício do mandato e os eleitos permanecem exercendo suas profissões e recebendo o salário correspondente ao seu trabalho.
A Composição atual do Poder Popular se dá da seguinte forma: Assembleia Nacional do Poder Popular; Assembleias Provinciais do Poder Popular, em cada uma das 15 províncias, além do município especial da Isla de la Juventud; Assembleias Municipais, nos 169 municípios; 1540 Conselhos Populares, cada um agrupando várias circunscrições eleitorais e integrados pelos seus delegados, dirigentes de organizações de massas e representantes de entidades administrativas; circunscrições eleitorais, ainda que não pertençam de forma orgânica à estrutura do sistema do Poder Popular ou do Estado são fundamentais antes e após o processo eleitoral.
O Presidente, o Conselho de Estado e o Conselho de Ministros
Tanto os membros do Conselho de Estado como os do Conselho de Ministros são indicados pelos delegados eleitos para a Assembleia Nacional do Poder Popular. Considerando o Art.74 da Constituição da República de Cuba, o Conselho de Estado é formado por um presidente, um Primeiro Vice-Presidente, cinco Vice-Presidentes e um Secretário.Para ser Presidente do Conselho de Estado é necessário antes ser eleito deputado com mais de 50% dos votos válidos, diretos e secretos da população e, em nova votação, deverá alcançar mais de 50% dos votos secretos dos parlamentares.
O Partido Comunista Cubano
Há muitas dúvidas ou distorções que pairam sobre a existência de um partido único em Cuba, o Partido Comunista Cubano, e a relação que isso tem com a democracia. De acordo com a Constituição cubana, durante o processo eleitoral o PCC não indica candidatos e nem faz campanha a favor de seus militantes. Por se diferenciar do conceito clássico de partidos políticos se mantém em sua condição de força dirigente superior da sociedade com a missão de representar os interesses de todo o povo e não somente os da sua militância.
O Partido não tem ingerência na Assembleia Nacional do Poder Popular e nem no governo, e só após consulta à população, via assembleias, apresenta propostas para serem apreciadas nestas instituições. Em processos eleitorais ocorridos até hoje já foram eleitos inúmeros militantes do PCC, indicados pelas assembleias populares em razão dos seus méritos pessoais e compromissos com a sociedade, e não pela sua militância no Partido. Um importante papel exercido pelo PCC é o de acompanhar e garantir o cumprimento das leis do país, entre elas, a Lei Eleitoral.
Vania Barbosa jornalista e presidente do Conselho Deliberativo da Associação Cultural José Martí/RS.
Texto extra'do do diário eletrônico Sul 21

sábado, 13 de outubro de 2012

Podemos chamá-la de ex-colunista?