Cenas da "expansão das fronteiras agrícolas". |
Hoje à tarde recebi um panfleto, em meu local de trabalho, intitulava-se "Nosso agronegócio sob a tutela do Greenpeace". Estranhei o "nosso", já que não sou beneficiado por essa atividade (não possuo fazendas, não tenho financiamento a juros de 6% ao ano e nem o direito de não pagar minhas dívidas, tão pouco a proteção do Estado quando minha atividade vai a bancarrota e, finalmente, não como soja).
O panfleto era um texto de um dos "especialistas" favoritos da direita midiática, o filósofo Denis Rosenfield (especialista defesa do indefensável, de todas as manifestações em prol da propriedade privada e da exploração do homem pelo homem), participante do "Café Millenium" e "colaborador" de vários jornais e órgãos da imprensa direitista.
O conteúdo não poderia ser diferente: o risco de perda de nossa soberania frente à interesses estrangeiros. de grupos "eco-terroristas" que defendem o agronegócio dos outros, em detrimento do nosso.
Reproduzo o texto do "especialista" abaixo, e comento mais abaixo ainda:
Nosso agronegócio sob a tutela do Greenpeace
À direita, e sempre à direita, o "especialista da vez", Denis Rosenfield. |
Passou desapercebido, não tendo sido sequer noticiado, um convênio assinado entre o Greenpeace, a ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio) e o Banco do Brasil. O seu teor reside em condicionar o financiamento do Banco do Brasil a empresas do agronegócio à obediência de determinadas diretrizes ambientais que seriam certificadas pelo Greenpeace, que se tornaria, então, o intermediário entre a instituição financeira e empresas do agronegócio. A notícia consta do site do Greenpeace, como tendo acontecido no dia 1º de dezembro em Brasília.
Assinaram o convênio o coordenador do Grupo de Trabalho da Soja (GTS) Paulo Adario, do Greenpeace, Carlos Lovatelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, e o vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Luís Carlos Guedes Pinto. Nos termos do acordo, o “Banco do Brasil (BB) anunciou hoje (1º de dezembro) que vetará o crédito rural a fazendeiros de soja que estiverem plantando em áreas recém-derrubadas da floresta”.
A mensagem soa ambientalista, politicamente correta, quando, na verdade, introduz uma grande novidade, a de que caberá ao Greenpeace determinar quais áreas teriam sido derrubadas ou não, segundo os seus próprios critérios e interesses. O objetivo imediato dessa ONG consiste em que outras instituições financeiras sigam o exemplo do BB, vindo, desse modo, a garrotear completamente o setor da agricultura e da pecuária, que passaria a depender de uma entidade global, hierarquizada internacionalmente, veiculando também provavelmente interesses de empresas e entidades de outros países que competem com o agronegócio brasileiro.
Utilizam, na verdade, o selo ambiental do politicamente correto para cercearem, cada vez mais, esse setor da economia brasileira, no caso, inclusive, com o apoio de um banco público, o que não deixa de ser absolutamente curioso, para não dizer paradoxal. A ABAG está, consoante com a atuação internacional dessa ONG, caindo na armadilha ambientalista, devendo pagar o preço por isto no futuro. Ou seja, o que estaria por trás disso poderia ser uma campanha internacional empreendida contra a soja brasileira, do tipo “empresas de soja vendem produtos frutos da devastação da Amazônia”, que teria forçado uma entidade empresarial a se subordinar a tais injunções.
Uma ONG internacional passa, então, a monitorar um setor do agronegócio com apoio de uma estatal. Trata-se do melhor dos mundos para essa ONG. E para o Brasil? Imaginem o Banco do Brasil financiando apenas projetos de agricultura e pecuária a partir de uma certificação de “naturalmente” corretos, fornecida pelo Greenpeace. Essa ONG viria a ter um poder enorme, cumprindo uma função de intermediação entre empresas e a instituição bancária.
Como se nada estivesse acontecendo, uma ONG que recebe ordens e orientações de sua sede na Holanda, segundo livros que tratam do assunto, publicados na França, começa a interferir diretamente nas negociações entre empresas, entidades empresariais e o BB.
Antes disto, o Greenpeace já tinha conseguido conquistar espaços junto à opinião pública brasileira e, especialmente, junto a algumas grandes empresas de supermercado, colocando-se como defensora da natureza, contra o desmatamento e, por via de consequência, como capaz de certificar se a pecuária brasileira é ou não causa de devastação ambiental. Refiro-me ao fato dessa organização ter assinado um acordo com uma grande rede comercial para certificar se o gado nela vendido, sobretudo vindo da região Norte, especificamente do Pará, é ambientalmente limpo. Ou seja, ela vem a funcionar como um órgão estatal, exercendo prerrogativas que deveriam ser do Ministério da Agricultura ou do Ministério Público.
Conquista, assim, um grande poder, podendo exercer uma influência enorme sobre os pecuaristas que se tornariam, então, reféns dela. Outra frente de sua atuação é a luta contra a revisão do Código Florestal. O seu mote é o mesmo: contra o desmatamento que seria produzido por essa revisão. Ora, não convém esquecer que o Relatório do Deputado Aldo Rebelo se posiciona contra o desmatamento, apresentando, mesmo, um prazo de 5 anos para que não haja novas zonas de desmatamento.
Nesse ínterim, as alterações legislativas seriam feitas e novos estudos produzidos. As pressões exercidas por essa ONG foram fortes quando da elaboração e discussão do Relatório e tendem, agora, com sua votação no início do próximo ano, a crescer.
O deputado Aldo Rebelo já fez manifestações contra a ação aos seus olhos nefasta dessa organização, assinalando a sua vinculação com empresas e governos estrangeiros, que procuram diminuir a competitividade da agricultura e pecuária brasileiras. O lema desses governos e entidades empresariais é: “Farms here (nos EUA), Forests there (no Brasil)”.
Na França, graças a seu trabalho de cerceamento de empresas que trabalham com produtos florestais, como madeira, essa ONG conseguiu, inclusive, se colocar como certificadora da madeira proveniente do Brasil.
A empresa francesa, no caso, é Lapeyre, tendo o Greenpeace utilizado o seguinte lema: “Lapeyre destrói a Amazônia”. Note-se que a empresa, quando a ONG começou a campanha contra ela, não soube reagir, não tendo partido para a disputa junto à opinião pública. No final, teve de curvar-se diante do Greenpeace, aceitando suas condições, porque começou a amargar grandes prejuízos.
Como a campanha de formação da opinião pública tinha sido bem sucedida, os clientes dessa empresa passaram a desertar. A forma de ação da ONG consiste em se apresentar com o “moralmente superior” em relação às empresas, que passariam por inescrupulosas. O silêncio da empresa francesa, no início do processo midiático contra ela, valeu-lhe grandes danos empresariais, além de ter o Greenpeace como um “interlocutor” que lhe dita condições de atuação. É isto que almejamos para o Brasil em 2011?
Publicado no jornal “Diário do Comércio” em 30/12/2010
Nota do blogueiro: Em primeiro lugar, desconfiei de que esse texto tivesse escrito pela Senadora e agropecuarista (ou agropecuarista e Senadora) Kátia Abreu, por Ronaldo Caiado ou algum outro expoente da chamada "bancada ruralista", pelo conteúdo agressivo e pela baixa qualidade, até mesmo na inexistência de fontes e referências, como no 7º parágrafo, onde cita a existência de livros franceses que comprovam que o Greenpeace recebe ordens de sua sede na Holanda, sem citar que livros são esses ou mesmo qual a importância do fato (obviamente insinuando que a ONG segue orientações nórdicas de acabar com o agronegócio brasileiro).
Ainda duvidando que um filósofo tivesse escrito o texto que acabaria virando panfleto dos defensores da "expansão das fronteiras agrícolas", alguns erros toscos, como classificar uma empresa de economia mista (Banco do Brasil) como uma estatal e afirmar, com base em um texto do Greenpeace, que reproduzo mais abaixo, que esse grupo iniciaria uma atividade fiscalizadora sobre o agronegócio, raciocínio no mínimo alarmista, tresloucado e totalmente desprovido de qualquer comprovação (onde está o documento que comprova o convênio e dá poderes de agentes fiscalizadores ao Greenpeace? Porque não tornou-se notícia, quando os principais veículos de comunicação do país batem palmas à devastação causada pela "expansão das fronteiras" do agronegócio?).
Por fim, comprovei que o texto era mesmo de um filósofo, publicado no Jornal do Comércio.
Por fim, comprovei que o texto era mesmo de um filósofo, publicado no Jornal do Comércio.
Às instituições de crédito, vem lentamente, incorporando conceitos de "responsabilidade sócio-ambiental" ao seu modus operandi (uma forma de tentar compensar, por mínimo que seja, a destruição que suas atividades causam ao ambiente e a sociedade, em resposta às crescentes pressões e movimentações em torno do tema desenvilvimento sustentável), e o Banco do Brasil não é diferente. Incorporou uma agenda nesse sentido, além de ter capital predominantemente público, e como tal, deve destinar suas linhas de crédito às formas menos destrutivas das atividades que financia, fatos ignorados pelo "especialista".
Rosenfield apela para um nacionalismo exacerbado e burro, que ignora o domínio do mercado de oleaginosas pelas grandes corporações transnacionais, como a Monsanto, Basf, Bayer..., que criam a dependência dos "agronegociantes" por seus venenos, inflacionam seu preço, cobram comissões sobre a utilização de sua tecnologia, e, no fim das contas, são os maiores beneficiários do "esquema" do agronegócio. Esse nacionalismo somente se manifesta quando os interesses desses cartéis transnacionais (nesse caso de manter o financiamento público de seus crescentes lucros, através da concessão de crédito à desmatadores) são ou podem ser afetados por alguma medida, no caso, de preservação do meio-ambiente.
Esse especialista contesta a certificação de origem da carne produzida na região norte do país, onde buldozeres com correntes botam acres de árvores ao chão, diariamente, para dar espaço à pastagens. Certificação que comprometeu cadeias de supermercados a não adquirir produtos de desmatadores (isso é ruim?), contesta a certificação da madeira comercializada, como não extraída de áreas de preservação, e sonha com arovação do novo código florestal, do mais novo membro dessa bancada ruralista, o "agro-comunista" Aldo Rebelo, código que poderia ser denominado de qualquer coisa, menos de florestal, já que anistia desmatadores e flexibiliza a legislação ambiental, podendo até mesmo reduzir em cerca de 80% a cobertura de matas ciliares.
"Gritarias pseudo-nacionalistas" semelhantes foram vistas, quando se pretendeu suspender o financiamento aos escravocratas modernos (alguns na lista negra do Ministério do Trabalho), quando se estabeleceram as "reservas legais", e em todo e qualquer movimento de preservação da meio ambiente e de proteção social.
O "especialista" finaliza com a máxima do pensamento economicista de curto prazo, predatório e incapaz de pensar sustentavelmente, nem mesmo de projetar cinco anos à frente: "É isto que almejamos para o Brasil em 2011?", como se as consequências da aprovação do código desmatador de Rebelo e a continuidade dos financiamentos aos "expansionistas das fronteiras agrícolas" fossem apenas uma luta de curto prazo, envolvendo apenas aspectos econômicos, equecendo-se, convenientemente, que precisamos respirar.
Abaixo o texto publicado no site do Greenpeace, que deu origem a essa e diversas manifestações anti-sociais Brasil afora, para que o leitor possa estabelecer uma justa comparação com a análise do "especialista":
Mais um prego no caixão do desmatamento
No dia em que o governo anuncia queda recorde no desmatamento da Amazônia, Banco do Brasil diz que não dará mais crédito a fazendas de soja em áreas devastadas.
Brasília, 1º de dezembro de 2010
A moratória da soja, uma das iniciativas para alcançar o desmatamento zero na Amazônia, ganhou um importante aliado. O Banco do Brasil (BB) anunciou hoje que vetará o crédito rural a fazendeiros de soja que estiverem plantando em áreas recém-derrubadas da floresta. O anúncio foi feito poucas horas depois de o governo anunciar uma queda recorde na taxa de devastação.
A prova de que isso é possível está nos números do Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia (Prodes) anunciados nesta manhã pelo governo. De acordo com os dados, gerados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 6.451 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados entre agosto de 2009 e julho de 2010. É a menor taxa da história, e 14% abaixo dos valores registrados no período anterior.
“A má notícia é que 6,4 mil quilômetros quadrados ainda é muito desmatamento. Houve grande perda de biodiversidade e enormes emissões de CO2”, diz Adario. “A boa notícia é que os números confirmam uma tendência de queda continuada desde 2005. Essa queda expressiva e prolongada num momento de expansão da economia brasileira é um sinal eloquente de que o país está perto de vencer a guerra contra o desmatamento e zerá-lo até 2015 enquanto gera alimentos, emprego e renda.”
A entrada do Banco do Brasil na moratória da soja _- que tem tudo para colocar mais um prego no caixão do desmatamento na Amazônia - foi firmada na manhã de hoje durante encontro na sede do banco em Brasília entre os coordenadores do Grupo de Trabalho da Soja (GTS) Paulo Adario, do Greenpeace, e Carlos Lovatelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, e o vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Luís Carlos Guedes Pinto. Na ocasião, Guedes assegurou que o banco adotará os critérios da moratória da soja na análise para liberação de crédito. Segundo ele, “a moratória é um exemplo de que o país só tem a ganhar com o fim do desmatamento”.
O compromisso assinado pelo BB inclui o não financimento da produção de soja em áreas desmatadas a partir de julho de 2006 no bioma Amazônia; a exigência de regularização ambiental das propriedades para a concessão de financiamento e abertura de linhas de crédito para recuperação de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente.
A adesão do BB à moratória – adotada pela indústria após pressão do Greenpeace contra o envolvimento do setor de grãos no desmatamento do bioma – significa que os fazendeiros que desmataram depois de 24 de julho de 2006 não terão mais acesso ao crédito do banco estatal. Sem dinheiro no bolso, o fazendeiro perde o principal incentivo para fazer plantios em áreas recém-devastadas.
De acordo com dados do Anuário Estatístico de Crédito Rural, cerca de R$ 90 bilhões foram destinados ao crédito rural na Amazônia Legal entre 1995 e 2009. Só no Bioma Amazônia foram R$ 40 bilhões. Metade dos recursos foi para fazendas de gado e plantações de soja. No mesmo período os fazendeiros derrubaram 271 mil quilômetros quadrados de floresta, área equivalente ao Estado de São Paulo.
O Brasil vive um momento positivo na luta pela proteção das florestas. A sociedade, empresas produtoras e consumidores dão claras demonstrações de que não aceitam mais a derrubada de árvores para abrir espaço para o agronegócio. O desmatamento zero virou um tema comum a políticos, ambientalistas e fazendeiros. “O país está convencido de que é preciso e possível parar de desmatar”, diz Adario.
O monstro do desmatamento, no entanto, não está morto. Se o Congresso aprovar mudanças no Código Florestal que desvirtuem a legislação de proteção ambiental, como quer a bancada ruralista, anistiando desmatadores e reduzindo a proteção da floresta, o monstro pode acordar com fome. “Esse projeto de lei coloca em grande risco todo esforço feito até agora, e tem o potencial de interromper esse momento virtuoso para a Amazônia.”
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