segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Carolismo" político...

...censura e repudia a liberdade de pensamento e expressão, quando divergem dos sermões de domingo.

A invasão do campo político por aglomerados religiosos, que tentam, e muitas vezes conseguem, dar aos seus dogmas, força de lei, estabelecem "peneiras morais" entre os representantes a serem eleitos (como foi visto no ano passado, quando a então presidenciável Dilma Roussef viu-se obrigada a ajoelhar-se em templos para evitar o rótulo de atéia), investem contra o Estado, todas as vezes em que um trecho de suas escrituras são contraditas, mesmo que beneficiem boa parte da população (leia-se células tronco, aborto, iniciativas anti-discriminatórias...), é uma clara ameaça ao Estado laico e democrático.
O carolismo político, agora, apodera-se do direito de expressão. Nem mesmo um religioso pode manifestar-se de forma a contradizer os "escritos sagrados", como no absurdo episódio, comentado por Idelber Avelar, no texto que extraí do Blog Contexto Livre, postado abaixo:

Câmara Municipal de Niterói quer tirar onda de Tribunal do Santo Ofício

O Brasil continua presenciando preocupantes sinais de uma escalada de fanatismo e fundamentalismo religiosos em níveis inéditos na sua história moderna. O mais recente, lamentável episódio, foi protagonizado pela Câmara Municipal de Niterói, que agora se arvora no direito de aprovar moções de repúdio a …. textos de opinião! O texto, sublinhe-se, não era de um brasileiro qualquer, mas de Frei Betto, religioso dominicano que já fez mais pelo Brasil que todos os vereadores de Niterói juntos. O texto em questão, publicado n’O Globo e intitulado “Os gays e a Bíblia,” está escrito no mais absoluto espírito do que poderíamos chamar cristianismo original: amor ao próximo, compaixão, carinho pelo outro, generosidade. Frei Betto lembra que no tempo de Jesus os discriminados eram os pagãos, os doentes, os açougueiros, e que com todos eles Jesus teve atitude inclusiva. Propõe que a Igreja não tem o direito de discriminar entre homossexuais e heterossexuais, já que todos seriam filhos de Deus. Argumenta que ninguém escolhe ser gay or hetero. E que qualquer união no amor merece reconhecimento legal. Simples, não?
Mas parece que isso é blasfêmia aos olhos do vereador João Gustavo (PMDB), que propôs ridícula moção de repúdio e arrastou consigo toda a Câmara de Vereadores de Niterói, com as honrosas exceções de Leonardo Giordano (PT) e Gezivaldo Ribeiro de Freitas (PSOL). A insigne casa, que representa maravilhosamente a diversidade de gêneros e etnias do Brasil, votou em peso pela aprovação da excrescência (17 x 2, segundo informa o Deputado Jean Wyllys no seu Twitter; talvez 16 x 2, posto que constam só 18 vereadores na página web da Câmara e a minuta da votação não está disponível por lá). A moção é uma pérola de ignorância: afirma que segundo a “Sagrada Escritura” e a “tradição” (qual tradição? só existe uma?), “atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados”. Castíssimos vereadores de Niterói: qualquer bom sexo, hetero ou homo, é desordenado! Que vossa “ordem” fique longe das nossas camas, porque pelo jeito vocês não sabem de nada.
Posto que a Câmara Municipal de Niterói decidiu que já não vivemos num estado laico, aguardo ansiosamente que aprovem, em breve, moções em apoio à escravidão (Levítico 25: 44-46), ao apedrejamento (Deuteronômio 22: 22-24), à punição dos filhos pelos pecados dos pais (Deuteronômio 5: 9), à pena de morte aos adivinhos de futuro (Levítico 20: 27), à pena de morte aos que amaldiçoem pai ou mãe (Êxodo 21: 15), à pena de morte a quem não escutar o sacerdote (Deuteronômio 17: 12) e, claro, à pena de morte para quem trabalhar no sábado (Êxodo 31; 12-14).
Distintos vereadores de Niterói (com as honrosas exceções de Leonardo Giordano e Gezivaldo Ribeiro): vocês agiram como bestas quadradas fanáticas, que só contribuem, com esse ridículo gesto, para construir um país mais intolerante e ignorante, um país pior para se viver.
O Partido dos Trabalhadores, se ainda quiser defender o seu legado democrático, deve chamar às falas os Srs. Vitor Junior e Waldeck Carneiro da Silva, que votaram a favor dessa imbecilidade. Talvez fosse o caso de apresentá-los às iniciativas anti-homofóbicas da Secretaria de Direitos Humanos do partido. Esses senhores não são dignos das Comunidades Eclesiais de Base que ajudaram a fundar o PT. O lema delas, assim como o da Comissão Pastoral da Terra, sempre foi o amor e a solidariedade aos oprimidos e discriminados – nunca a disseminação do ódio.
É, compatriotas. Já se foi o tempo em que eu podia tirar onda com meus amigos estadunidenses.
Idelber Avelar

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