Mais uma vez reproduzo uma crônica do sociólogo Juremir Machado da Silva, na qual ele relata acontecimentos de uma localidade do interior, onde eventos fantásticos ocorreram durante a última semana.
De acordo com Juremir, toda e qualquer semelhança com o golpe sofrido pelo povo de Porto Alegre, com a alteração da lei que impedia "grandes obras" na orla do Guaíba, é apenas coincidência.
TIÃO, O MODERNIZADOR
Por Juremir Machado da Silva
Palomas tem vivido momentos históricos palpitantes. É uma polêmica atrás de outra. Em meio às escaramuças, desponta uma figura destemida, Tião, o modernizador. Normalmente gentil, cordato e afetuoso, Tião, nos últimos tempos, tem rugido como um leão. Primeiro, conseguiu proibir a circulação de carroças nas ruas do vilarejo, em defesa dos cavalos, bichos maltratados e infelizes, cuja magreza e olhos melancólicos denunciam a grande miséria deles e dos seus donos. A medida, no entanto, é extremamente complicada para os pobres de Palomas, que ganham a vida catando papel. Mas os carros flamejantes precisam andar rápido, não podem ser atrapalhados por meios de transporte primitivos, feios e sujos. As carroças são péssimas para a imagem de Palomas no exterior (em Rivera, por exemplo). Dentro de alguns anos, graças a essa medida modernizadora, Palomas estará, enfim, livre dessa chaga, pois há um prazo a ser cumprido. O desenvolvimento precisa, às vezes, de alguns trancos. Era fundamental uma lei contra maus-tratos a cavalos. Agora só falta uma lei contra maus-tratos a carroceiros.
Nesse acelerado processo de modernização, Palomas aceitou passivamente a retirada dos pobres da orla do seu rio. A lei impedia moradias à margem do Goiaba. Tião não se notabilizou pelo combate contra a remoção dos moradores da favela Sai-Sai. Talvez o tenha feito sem que a mídia palomense tenha notado. A mídia palomense, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, é tendenciosa e parcial, parte dela tendo inclusive interesses imobiliários incompatíveis com informação. A ralé acabou enxotada. Mais uma vez, Palomas deu um salto para o futuro, tornando-se mais bela e limpa, rumo ao Primeiro Mundo. Tinha cabimento a plebe querer morar num cenário de cartão-postal protegido por uma lei de preservação permanente? Curiosamente, depois dessa limpeza, apareceu um projeto radical de modernização. Tião aderiu.
O tal projeto prevê a construção de espigões à margem do Goiaba, justamente numa área de proteção permanente. Para tornar um ângulo do pôr-do-sol privilégio ao alcance de poucos aquinhoados, seria necessário superar um pequeno obstáculo: a legislação em vigor. Tião votou pela mudança da lei. Lutou com unhas e dentes pela modernização e pela revitalização da orla palomense. É sabido desde tempos imemoriais que pobres morando em algum lugar representam atraso. Ricos, contudo, encarnam a modernidade e a beleza. Em lugar de barracos, arranha-céus. Muita gente atrasada, especialmente entre os jornalistas, levantou-se contra o projeto modernizador. Tião, que nem era o pai da idéia, enfureceu-se e ameaçou processar um colunista rastaqüera. Qualquer semelhança desse relato com o que acontece em outros lugares é mera coincidência. Palomas é original. Nada disso deve ser verdade. A prova de que é ficção, tão ao gosto da gente daquelas plagas, é que Palomas nem tem rio. No máximo, um arroio desplumado, longe da zona central. Certo, porém, é que Tião, o modernizador, ainda vai fazer de Palomas uma província evoluída, sem carroças, com espigões para todo lado, conjuntos arquitetônicos de vanguarda e até com passarelas para que o pobrerio, vigiado por câmeras, possa chegar, alguns dias, à beira das suas águas.
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