quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Deu no New York Times

Vendo o noticiário do PIG, parecia que estávamos diante de mais uma ação heróica dos "paladinos da justiça mundial", aqueles que derrubaram um ditador cruel e sanguinário no Iraque, obviamente que sem nenhum interesse em seu petróleo. Agora eles condenavam uma ação imperialista imoral da Rússia contra uma "inocente república que aderiu aos ideais democráticos e ao American Way of Life".

Mas como sempre parece que não era bem como estava sendo mostrado:

Texto extraído do blog "Vi o Mundo".

Estados Unidos provocam a Rússia; depois, abandonam o aliado

SOLDADOS RUSSOS FORAM VISTOS NAS CIDADES QUE APARECEM MARCADAS NO MAPA, MAS NÃO EM TBILISI, A CAPITAL DA GEÓRGIA


TWO COUNTRIES, GIRDING FOR A CONFLICT, CREATE A PERFECT BREW FOR BLOWUP


The New York Times - 11/08/2008 - C.J. Chivers

Enquanto o sangrento e desequilibrado confronto entre Rússia e Geórgia se desenrolou nos últimos três dias, mesmo os principais envolvidos parecem surpresos em ver que pequenos confrontos fronteiriços se tornaram uma disputa que ameaça o governo da Geórgia e talvez o próprio país.
Várias autoridades americanas e da Geórgia dizem que, ao contrário do que aconteceu na invasão soviética do Afeganistão em 1979, quando tropas foram concentradas antes do ataque, a Rússia não parecia preparada para fazer o mesmo na semana passada. Até a quarta-feira da semana passada, eles dizem, diplomatas russos pressionavam por negociações entre a Geórgia e a Ossétia do Sul, a região separatista na qual os combates começaram e se transformaram em guerra.
"Não parece que foi premeditado, com a preparação maciça de equipamento", uma autoridade americana disse. "Até a noite anterior ao confronto a Rússia parecia jogar um papel construtivo".
Mas enquanto as causas imediatas e a intensidade da invasão russa pegaram líderes da Geórgia e do Ocidente de surpresa, houve sinais durante anos de que a Geórgia e a Rússia se prepararam metódica e silenciosamente para um conflito.
Muitos outros fatores de longo prazo contribuíram para a possibilidade de guerra. Eles incluem o sucesso militar do Kremlin na Chechênia, que deu à Rússia uma sensação de segurança interna e liberou tropas para cruzar as fronteiras, e o apoio exuberante dos Estados Unidos ao presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, uma figura desprezada pessoal e politicamente pelo Kremlin.
Além disso, ao preparar soldados da Geórgia para servir no Iraque, os Estados Unidos parecem ter incentivado o país, mesmo sem querer, a entrar numa luta que não tinha como vencer.
Autoridades americanas e um oficial do Exército dizem privadamente que, como resultado, essa guerra pode se tornar uma catástrofe para os Estados Unidos, cuja imagem e autoridade na região foram colocadas em questão ao ficar provado que não seria possível ajudar a Geórgia ou segurar o Kremlin enquanto a Rússia atacava.
A vontade militar e burocrática da Rússia foi mobilizada antes mesmo que o Mr. Saakashvili ascendeu ao poder em 2004, se colocando como um dos mais estridentes críticos do Kremlin.
Sob a presidência de Vladimir V. Putin, a Rússia já dava cidadania e distribuía passaportes para quase toda a população adulta da Ossétia do Sul e da Abkhazia, a outra região separatista em que os russos concentraram tropas no fim-de-semana. O Ocidente se mostrava cético da validade da Rússia dar passaportes a milhares de cidadãos de outra nação.
"Ter documentos não faz de você um cidadão russo", um diplomata americano disse em 2004, quando a Rússia expandia o programa.
Mas quaisquer que sejam os méritos legais do programa, o Kremlin estabeleceu o seu argumento de relações públicas para a invasão: estava ajudando cidadãos russos que estavam sob ataque.
Nos anos seguintes, enquanto a Rússia dava alertas o Mr. Saakashvili ficou cada vez mais ousado. Havia quatro regiões fora do controle da Geórgia quando ele assumiu em 2004, mas ele restaurou as duas menores, a Ajaria em 2004, e o desfiladeiro do Kodori em 2006, com poucas mortes.
As vitórias deram a ele uma sensação de momentum. Ele manteve a reintegração nacional como um ponto central de sua plataforma.
A Rússia, enquanto isso, começou a retaliar contra a Geórgia de várias formas. Cortou o tráfego aéreo e a correspondência entre os dois países, fechou as fronteiras e se negou a aceitar exportações da Geórgia. E quando o desfiladeiro do Kodori voltou ao controle da Geórgia os russos já tinham consolidado sua posição na Chechênia, que agora é administrada por um líder local, Ramzan Kadyrov, e suas forças apoiadas pelo Kremlin.
A Chechênia foi uma preocupação para as forças terrestres da Rússia durante anos. Mas o fortalecimento de Mr. Kadyrov permitiu aos russos colocar suas tropas nos quartéis e focalizar a atenção em outros lugares.
Simultâneamente, enquanto o conflito entre Rússia e Geórgia se intensificava, o forte apoio dos Estados Unidos ao Mr. Saakashvili criou tensões dentro do establishment de política externa de Washington, gerando visões rivais.
Alguns diplomatas consideravam Mr. Saakashvili um político promissor, alguém que poderia recolocar a Geórgia como exemplo de democracia ocidental, símbolo de mudança numa região de estados moribundos pós-soviéticos. Mr. Saakashvili encorajou essa visão, se colocando como um visionário que estava liderando uma coluna de movimentos democráticos na região.
Outros diplomatas se preocupavam que a persona e a plataforma de Mr. Saakashvili apresentavam um desafio implícito ao Kremlin e que ele havia se tornado símbolo de outra coisa: da suspeição da Rússia sobre as intenções americanas no antigo império soviético. Eles se preocupavam que o presidente da Geórgia poderia levar os Estados Unidos a discussões com a Rússia que não interessavam aos Estados Unidos.
Esse sentimento era comum especialmente em especialistas na Rússia, que diziam que, apesar do mérito das posições do Mr. Saakashvili, a sua impusividade e nacionalismo tiravam dele o bom senso.
Os riscos se intensificaram pelo fato de que os Estados Unidos não apenas encorajaram a democracia na Geórgia, mas ajudaram a militarizar um estado fraco.
Ao tentar atrair Washington, Mr. Saakashvili abraçou as missões dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. De início ele não tinha nada prático a oferecer. O exército da Geórgia era pequeno, mal dirigido, mal equipado e fraco.
Mas a ascensão de Mr. Saakashvili coincidou com a necessidade americana de apoio político e soldados no Iraque. A oferta de tropas foi respondida com a ajuda do Pentágono para reformar completamente as forças militares da Geórgia.
No nível superior, os Estados Unidos ajudaram a Geórgia a reescrever a doutrina militar e treinar os comandantes e instrutores. No nível dos batalhões, soldados e fuzileiros navais americanos ensinaram noções de combate a soldados da Geórgia.
A Geórgia, enquanto isso, começou a se reequipar com armas de Israel e dos Estados Unidos, com aeronaves não tripuladas de reconhecimento e equipamento de comunicações e gerenciamento de guerra, novos veículos de comboio e estoques de munição.
O objetivo público era empurrar a Geórgia para o padrão da OTAN. Privadamente, autoridades da Geórgia deram boas vindas aos treinamentos e disseram que a participação no Iraque era uma forma de preparar os militares para a "reunificação nacional" - o eufemismo local para restaurar o controle da Geórgia sobre a Abkhazia e a Ossétia do Sul.
Todas essas políticas colidiram na semana passada. Uma autoridade americana encarregada de formular a política em relação à Geórgia disse, sob anonimato, que tudo tinha dado errado.
O Mr. Saakashvili agiu de forma açodada, dando motivos para a invasão da Rússia. A invasão, ele disse, foi assustadora, desproporcional e brutal e motivo para uma forte censura. Mas a questão imediata era o que a Rússia faria para colocar a Geórgia em seu devido lugar. Não havia sinal durante o fim de semana de que a Rússia pretendia negociar. A humilhação nacional estava em andamento.
"Os georgianos perderam quase tudo", disse a autoridade americana. "Sempre dissemos para eles, 'não façam isso, os russos não tem objetivos limitados'".

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