sábado, 5 de julho de 2008

Artigo de Juremir Machado da Silva

O sociólogo Juremir Machado da Silva fez uma excelente análise dos ataques do ministério público ao Movimento Sem Terra, estabelecendo uma comparação entre a luta do Movimento e a disputa territorial que ocorreu durante a Revolta Farroupilha.
Seu artigo, intitulado OS FARRAPOS E O MST, foi publicado na edição de hoje do Jornal Correio do Povo, no qual Juremir tem uma coluna diária.

Segue abaixo o artigo em questão.



OS FARRAPOS E O MST



Procuradores do Ministério Público querem extinguir o MST. Consideram que ele atenta contra o Estado de direito. Já o MST entende que os poderes constituídos não são sensíveis às necessidades básicas dos excluídos do campo. No passado, os farrapos sustentaram uma guerra contra o poder central durante dez anos por razões semelhantes. Entendiam que o Império era tirânico e insensível aos interesses deles. Queriam pagar menos impostos. A diferença é que os farrapos eram fazendeiros. O Brasil era uma monarquia constitucional. Os farrapos atentaram contra o Estado de direito. Foram processados. Os procuradores deviam propor a proibição dos festejos da Revolução Farroupilha para evitar maus exemplos.
O MST invade propriedades alheias e talvez sonhe com outro regime ou sistema econômico. Os farrapos declararam uma república e separaram-se do Brasil. Boa parte da população do Estado não os apoiou. Eles passaram a dominar toda uma parte do território do Rio Grande. Mais ou menos como as Farc. Deram-se o direito de invadir as terras dos 'dissidentes', de arrendá-las a quem quisessem e de apossar-se dos demais bens, vendendo gado e cavalos. O decreto de 11 de novembro de 1836 determinava o seqüestro, o arremate em hasta pública ou a venda de tudo que pertencesse aos 'súditos do Brasil', inclusive mercadorias, prédios, gados, animais, muares, cavalares, escravos, móveis, embarcações, etc. 'Súditos do Brasil', fixava o decreto, eram todos os inimigos, ou seja, os que não estivessem de acordo com os ideais farrapos e a eles se opusessem. O decreto de 5 de abril de 1837 confirmou o anterior. Em 1838, outros atos continuaram o processo.
Os farrapos achavam o sistema injusto e impiedoso. O MST também. A cisão entre os farrapos deu-se principalmente por causa disso. Um facção, liderada por Antônio Vicente da Fontoura, estava farta do desrespeito à propriedade. Houve saque, corrupção e arrendamento de cobiçadas propriedades de dissidentes a bons amigos. A documentação sobre isso é farta e está disponível. Basta ver a carta 185 da 'Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves' sobre arrendamento de propriedade de inimigo. Ou (Coleção Varela 6182) a carta em que Neto refere-se a uma 'espantosa ladroeira' praticada por aliados, com nome e sobrenome, 'com permissão para se estabelecerem na fazenda outrora do finado José Antonio de Freitas'. A maior dificuldade para se chegar à paz consistiu em saber quem indenizaria os proprietários lesados. Os farrapos conseguiram transferir a conta para o Império. Ficaram anos ameaçando não entregar os negros que os imperiais exigiam e espichando uma guerra de guerrilhas que não ganhariam para que o poder central assumisse o que chamavam de 'dívida externa', pois, com a paz, as demandas judiciais de indenização seriam muitas e inevitáveis. Cada época com os seus valores. Aquilo que era válido no século XIX não parece legítimo hoje? Sofisma. O poder legal da época e os proprietários lesados pensavam exatamente como os de hoje em situação equivalente. Chegamos ao paradoxo: o Rio Grande do Sul que tanto condena o MST festeja uma revolução cujas práticas e motivações eram equivalentes às do MST. Os farrapos só estariam plenamente justificados se tivessem rompido com o Brasil pelo fim da escravidão. Não foi o caso. As suas razões eram econômicas e políticas. Como se vê, temos tradição em invasão e apropriação de terras alheias.

juremir@correiodopovo.com.br

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