segunda-feira, 21 de julho de 2008

Presidente Evo Morales fala sobre o "LIvre Comércio"



Declaração Ministerial de Doha da Organização Mundial do Comércio, 14 de Novembro de 2001


A rodada de negociações de Doha da OMC começou há sete anos com estas palavras. O desenvolvimento econômico, o combate à pobreza, as necessidades de todos os nossos povos, o aumento de oportunidades para os países em desenvolvimento estão realmente no centro das atuais negociações da OMC?


A primeira coisa que devo dizer é que se fosse assim os 153 países membros, e sobretudo a ampla maioria de países em desenvolvimento, deveriam ser os atores principais das negociações da OMC. Mas o que estamos vendo é que um punhado de 35 países é convidado pelo Diretor Geral para reuniões informais para avançarem substancialmente na negociação e prepararem os acordos desta "Rodada do Desenvolvimento" da OMC.


As negociações na OMC converteram-se num combate dos países desenvolvidos para abrir o mercado dos países em desenvolvimento a favor das suas grandes empresas.


Os subsídios agrícolas do Norte, que vão principal para as companhias agro-alimentares dos Estados Unidos e da Europa, não só continuarão como aumentarão como demonstra a "Farm Bill 2008" [1] dos Estados Unidos. Os países em desenvolvimento baixarão as taxas aduaneiras dos seus produtos agrícolas, enquanto os subsídios reais [2] aplicados pelos Estados Unidos ou pela União Européia aos seus produtos agrícolas não diminuirão.


A nível dos produtos industriais procura-se nas negociações da OMC que os países em desenvolvimento façam cortes nas taxas aduaneiras de 40% a 60% enquanto os países desenvolvidos diminuirão as suas taxas aduaneiras entre 25% e 33% em média.


Para países como a Bolívia a erosão das preferências aduaneiras pela diminuição generalizada das taxas terá efeitos negativos na competitividade das nossas exportações.


O reconhecimento das assimetrias e o tratamento especial e diferenciado, real e efetivo, a favor dos países em desenvolvimento é limitado e obstaculizado na sua implementação pelos países desenvolvidos.


Nas negociações faz-se pressão para que novos setores de serviços sejam liberalizados pelos países, quando o que deveria ser feito era excluir definitivamente os serviços básicos de educação, saúde, água, energia e telecomunicações do texto do Acordo Geral de Comércio de Serviços da OMC. Estes serviços são direitos humanos que não devem ser objeto de negócio privado e de regras de liberalização que levam à privatização.


A desregulamentação e a privatização dos serviços financeiros, entre outros, são a causa da atual crise financeira mundial. Maior liberalização dos serviços não trará maior desenvolvimento, mas sim maiores possibilidades de crise e especulação em questões vitais como os alimentos.


O regime de propriedade intelectual estabelecido pela OMC beneficiou sobretudo as transnacionais que monopolizam as patentes, encarecendo o preço dos medicamentos e de outros produtos essenciais, incentivando a privatização e a mercantilização da própria vida, como provam várias patentes sobre plantas, animais e até genes humanos.


Os países mais pobres serão os principais perdedores. As projeções econômicas de um potencial acordo da OMC, mesmo as do Banco Mundial[3], indicam que os custos acumulados pela perda de empregos, pelas restrições à definição de políticas nacionais e pela perda de receitas aduaneiras serão maiores que os "benefícios" da "Rodada para o Desenvolvimento".


Passados sete anos, a rodada da OMC está ancorada no passado e desatualizada dos fenômenos mais importantes que estamos vivendo: a crise alimentar, a crise energética, as alterações climáticas e a eliminação da diversidade cultural. Os países ricos estão vendendo a idéia de que é necessário um acordo para resolver uma agenda mundial e este acordo não representa essa realidade. As suas bases não são as adequadas para assentar essa nova agenda mundial.


Estudos da FAO assinalam que com as atuais forças de produção agrícola é possível alimentar 12 bilhões de seres humanos, isto é, quase o dobro da atual população mundial. No entanto, há uma crise alimentar porque não se produz para o bem-estar humano, mas sim em função do mercado, da especulação e rentabilidade das grandes produtoras e comercializadoras de alimentos. Para enfrentar a crise alimentar é necessário fortalecer a agricultura familiar, camponesa e comunitária. Os nossos países em desenvolvimento têm de recuperar o direito de regular [4] as nossas importações e exportações para garantir a alimentação da nossa população.


Temos que acabar com o consumismo, o esbanjamento e o luxo. Na parte mais pobre do planeta morrem milhões de seres humanos de fome em cada ano. Na parte mais rica do planeta gastam-se milhões de dólares para combater a obesidade. Consumimos em excesso, esbanjamos os recursos naturais e produzimos lixo que contamina a Mãe Terra.


Os países devem dar prioridade ao consumo do que produzimos localmente. Um produto que percorre metade do mundo para chegar ao seu destino pode ser mais barato do que outro, que se produz nacionalmente, mas se tomarmos em conta os custos ambientais do transporte dessa mercadoria, o consumo de energia e a quantidade emissões de carbono que gera, então podemos chegar à conclusão de que é mais são para o planeta e para a humanidade dar prioridade ao consumo do que se produz localmente.


O comércio externo deve ser um complemento da produção local. De forma nenhuma podemos privilegiar o mercado externo à custa da produção nacional.


O capitalismo quer uniformizar-nos a todos para nos transformarmos em simples consumidores. Para o Norte há um só modelo de desenvolvimento, o deles. Os modelos únicos a nível econômico vêm acompanhados de processos de aculturação generalizada para nos impor uma só cultura, uma só moda, uma só forma de pensar e ver as coisas. Destruir uma cultura, atentar contra a identidade de um povo, é o mais grave dano que se pode fazer à humanidade.


O respeito e a complementaridade pacífica e harmônica das diversas culturas e economias é essencial para salvar o planeta, a humanidade e a vida.


Para que esta seja uma rodada de negociações efetivamente do desenvolvimento e ancorada no presente e no futuro da humanidade e do planeta deveria:


- Garantir a participação dos países em desenvolvimento em todas as reuniões da OMC pondo fim às reuniões exclusivistas da "sala verde" [5].


- Implementar verdadeiras negociações assimétricas a favor dos países em desenvolvimento nas quais os países desenvolvidos outorguem efetivas concessões.


- Respeitar os interesses dos países em desenvolvimento, não limitando a sua capacidade de definição e implementação de políticas nacionais a nível agrícola, industrial e de serviços.


- Reduzir efetivamente as medidas protecionistas e os subsídios dos países desenvolvidos. [6]


- Assegurar o direito dos países em desenvolvimento protegerem, pelo tempo que for necessário, as suas indústrias nascentes, da mesma forma que o fizeram no passado os países industrializados.


- Garantir o direito dos países em desenvolvimento regularem e definirem as suas políticas em matéria de serviços, excluindo expressamente os serviços básicos do Acordo Geral de Comércio de Serviços da OMC.


- Limitar os monopólios das grandes empresas sobre a propriedade intelectual, promover a transferência de tecnologia e proibir o patenteamento de qualquer forma de vida.


- Garantir a soberania alimentar dos países, eliminando qualquer limitação à capacidade dos Estados para regular as exportações e importações de alimentos.


- Assumir medidas que contribuam para limitar o consumismo, o esbanjamento de recursos naturais, a eliminação de gases de efeito de estufa e a produção de lixo que prejudica a Mãe Terra.


No século XXI, uma "Rodada para o desenvolvimento" já não pode ser de "livre comércio", mas sim tem que promover um comércio que contribua para o equilíbrio entre os países, as regiões e com natureza, estabelecendo indicadores que permitam avaliar e corrigir as regras de comércio em função do desenvolvimento sustentável.


Os governos têm uma enorme responsabilidade para com os seus povos. Acordos como os da OMC têm que ser amplamente conhecidos e debatidos por todos os cidadãos e não somente por ministros, empresários e "peritos". Os povos do mundo têm que deixar de ser vítimas passivas destas negociações e converter-se em protagonistas do nosso presente e futuro.



Evo Morales Ayma

Presidente da Bolívia



[1] A "Farm Bill 2008" foi aprovada em 22 de Maio pelo Congresso dos Estados Unidos. Autoriza que se realizem gastos que incluem subsídios à agricultura até 307 bilhões de dólares em 5 anos.


[2] O texto atual sobre agricultura propõe a diminuição dos subsídios dos Estados Unidos para um valor entre 13 e 16,4 bilhões de dólares por ano. No entanto, os subsídios reais que os Estados Unidos atualmente aplicam são de cerca de 7 bilhões de dólares por ano. Por outro lado, a União Européia está oferecendo nas negociações da OMC a reforma que realizou na Política Agrícola Comum (PAC) em 2003, sem propor maiores aberturas.


[3] Os países em desenvolvimento têm pouco a ganhar na Rodada de Doha: os ganhos projetados serão de 0,2% para esses países, a redução da pobreza mundial será de 2,5 milhões (menos de 1% dos pobres do mundo) e as perdas por taxas aduaneiras não cobradas serão pelo menos de 63 bilhões milhões de dólares (Anderson, Martin, and van der Mensbrugghe, "Market and Welfare Implications of Doha Reform Scenarios," in Agricultural Trade Reform and the Doha Development Agenda, Anderson and Martin, World Bank/ / Back to the Drawing Board: No Basis for Concluding the Doha Round of Negotiations" by Kevin P. Gallagher and Timothy A. Wise, RIS Policy Brief #36)


[4] Esta regulação deve incluir o direito a implementar impostos às exportações, baixar taxas aduaneiras para favorecer importações, proibir exportações, subsidiar produções locais, fixar margens de preços, enfim todas as medidas que segundo a realidade de cada país melhor sirva o propósito de garantir a alimentação da população.


[5] "Green room meeting" ou "reuniões na sala verde" é o nome das reuniões informais de negociação na OMC nas quais participa um grupo de 35 países escolhidos pelo Diretor-Geral.


[6] Um corte real dos subsídios dos Estados Unidos: deveriam ser menores que 7 bilhões milhões de dólares por ano.


"Control C" e "Control V" realizado a partir do site da Agência Carta Maior, para demosntrar que a forma de propaganda nazista dos países ricos encontra resistências, e que há alternativas.

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