quarta-feira, 16 de julho de 2008

A Falácia da sociedade sem classes


Convictos que não há mais disputa de classes. Que as leis são iguais para todos. E que todos são iguais perante a lei. Mas os recentes fatos de nossa República, que de pública só tem a denominação, pois a festança das elites consevadoras, que continuam a privatizar o Estado, seja com a lucupletação sobre o patrimônio vendido, seja com a corrupção e a clássica mistura do público com as contas bancárias privadas, parece não ter fim.

O texto abaixo, extraído do excelente blog Ficha Corrida expõe muito bem a atual situação do país. A atuação perversa de alguns de nossos líderes, no sentido de renovar, ou até mesmo estabelecer privilégios aos já privilegiado$:


George Orwell salvou Dantas?


por Douglas Fischer*


Manhã de 10 de julho de 2008. Manchete de ZH: "Supremo manda polícia soltar banqueiro Dantas". Voltarei ao tema. Preciso antes compartilhar outros fatos com o leitor.


Atuando num processo no ano passado, com réu condenado por pequeno tráfico de entorpecentes, vi uma colega procuradora da República recorrer para absolvê-lo. Ela o havia denunciado, mas, no curso da ação, concluiu não haver provas para condená-lo. Sim, leitor, o MP deve atuar em favor do réu se assim entender. É o que determina a Constituição. Dei parecer favorável, mas a condenação foi mantida.


Há que se respeitar o entendimento do Judiciário, mas recorri ao STJ a favor do réu. O recurso foi admitido. Contudo, como demora. Porque ainda preso o réu, entrei com um habeas corpus no STJ (sim, leitor, o MP também pode recorrer em favor de réu para beneficiá-lo). Eu entendia que sua prisão (já há quase dois anos) não tinha fundamento jurídico. A liminar foi indeferida.


Passaram-se alguns meses. Natal, final de ano, férias, praia para alguns. Para outros, sol "quadrado". Em março passado, invocando precedente do STF - que serviu para a soltura de Flávio Maluf e, depois, de seu pai, Paulo - , "ousei" impetrar novo hábeas no próprio STF, com pedido de liminar. Nada. Pedi novamente. Nada. Mais de três meses depois, sai a decisão do relator: o hábeas é indeferido. O argumento: não haveria flagrante ilegalidade e o hábeas impetrado perante o STJ seria julgado em breve. Ah, bom!


Daniel Dantas ajuizou um hábeas contra a investigação que se fazia contra ele no TRF em São Paulo. Queria um salvo-conduto. Não ganhou a liminar. Impetrou outro, no STJ. Não levou. Foi ao STF. Mais uma vez, não ganhou. Ocorre que, há dois dias, por fato novo, é decretada sua prisão temporária. Atente-se: o fundamento era novo e não havia sido objeto do hábeas já ajuizado. Em vez de impetrar (como seria o correto) novo hábeas no TRF, atacando a decisão do juiz que decretou sua prisão, foi "direto" ao STF, pedindo ampliação do pedido que lá estava. Não podia. Mas a liminar foi deferida, pouco mais de 24 horas depois da prisão. Está solto, diz a manchete do jornal.


Não há espaço para contra-argumentar o equívoco, em meu modesto juízo, da soltura de Dantas. Não contesto também, nem indiretamente (que fique claro), a honorabilidade de quem o soltou. Longe disso. Mas quem talvez não entenda nada, se souber da manchete de hoje, é aquele preso para quem impetrei os habeas corpus e que continua preso.


Lembro de um dos mandamentos da sátira de George Orwell em sua Revolução dos Bichos: "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros". Satiagraha (nome da operação) define a linha de ação de Gandhi na sua luta pela independência da Índia (Gandhi e Orwell eram indianos, por coincidência).


Dantas é grato a seus advogados, certamente. A esta altura, por paradoxal que seja, pretendia estar acendendo velas para George Orwell. Ficou difícil. Não por que o vento que corre solto no alto de sua cobertura na beira-mar do Rio de Janeiro pudesse impedir. É porque, acolhendo novo pedido do Ministério Público Federal, na tarde de ontem, o juiz federal Fausto de Sanctis decretou novamente a prisão de Dantas. O mínimo que se pode esperar é que a decisão seja respeitada. Inclusive pelo presidente do STF.


*Procurador regional da República na 4ª Região


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